Uma tecnologia capaz de diagnosticar com precisão a covid-19 por meio de exames de raio-x e tomografia começa a ser testada nos próximos dias no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Passada essa fase piloto dentro do HC, a ideia é que a solução - desenvolvida por três startups brasileiras - seja levada a vários hospitais públicos e privados do país e possa ser usada, no futuro, para análise de outros casos como câncer de pulmão.
Atualmente, a radiografia é adotada como um complemento para o diagnóstico da covid-19, uma vez que o raio-x ainda não é um exame de alta precisão. A tomografia, por sua vez, já consegue mostrar com mais detalhes o tamanho da lesão no pulmão, mas com a inteligência artificial será possível até prever em quanto tempo o paciente precisará de uma internação hospitalar.
O desenvolvimento de uma tecnologia que possibilita um diagnóstico preciso utilizando raio-x traz grandes benefícios para um país continental como o Brasil, que carece de uma oferta ampla laboratórios capacitados para realizar o teste de covid-19. O Ministério da Saúde tem um estoque parado de cerca de 10 milhões de testes RT-PCR, porém eles não são realizados por falta de laboratórios e profissionais especializados no processamento desse tipo de exame. Já a oferta de aparelhos de raio-x está disponível em toda a rede pública e privada de saúde, inclusive, em regiões distantes do país.
O projeto foi desenvolvido a partir de um chamamento público da área de inovação do governo do Estado de São Paulo, que desafiou as startups a criarem exames de imagem capazes de detectar, de forma segura, a presença da covid-19. “Tivemos acesso a 600 raios-x e 1 mil tomografias do HC. A partir daí, desenvolvemos os algoritmos que são capazes de nos dar a resposta da presença da doença nos pulmões”, disse o engenheiro Roberto Lotufo, um dos fundadores da NeuralMind, startup vencedora do edital do governo que ganhou nas categorias exames de raio-x e tomografia. A NeuralMind participou do edital em parceria com a Unicamp.
A segunda e a terceira colocadas são Otawa Health e Visibilia, respectivamente. As duas startups também participam do projeto, cada qual com um tipo de exame de imagem (raio-x ou tomografia) para diagnóstico da covid-19.
Segundo Lotufo, há artigos científicos internacionais sobre esse tipo de trabalho, porém, o grande empecilho para o seu desenvolvimento é a disponibilidade de um volume relevante de exames de radiografia do tórax e tomografia para que os cientistas possam “treinar” a inteligência artificial.
O Hospital das Clínicas já trabalhava com exames de imagem para detectar a covid-19. Porém, os dados para formular os algoritmos são importados da Siemens e Huawei, que usam as características das populações da Europa e China, respectivamente.
“No entanto, a covid-19 se manifesta de maneira distinta entre as populações e nós temos um povo bastante miscigenado. O interessante é que as startups desenvolveram algoritmos com dados da população brasileira”, disse Giovanni Guido Cerri, presidente da área de inovação do Hospital das Clínicas, que já tem em sua base de dados mais de 10 mil exames confirmados da doença.
“Nessa segunda etapa do projeto, teremos acesso à base do Hospital das Clínicas e receberemos exames de imagens de 47 hospitais privados e públicos de todo o Brasil. São cerca de 100 imagens de tomografia por dia”, disse Lotufo, que criou a startup aos 61 anos após se aposentar da Unicamp, onde foi professor e pesquisador do laboratórios de exames de imagem da universidade. “Ainda me sentia produtivo quando estava prestes a me aposentar. Então, decidi empreender”, contou o engenheiro que montou a startup há três anos dentro da própria Unicamp.
Seu lado empreendedor começou a brotar quando era diretor da Agência de Inovação (Inova) da universidade, entre 2003 e 2013, período que incentivou muitos jovens a montar seus próprios negócios. Hoje, concilia a carreira de empreendedor com a de professor colaborador.