Tecnologias analíticas quebram paradigmas na Saúde
Uso de dados no setor podem representar mudanças drásticas, mas ainda há desafios de base no mercado brasileiro
16/04/2014
Van Hyfte, da Intersystems: ''Apenas 20% das informações médicas estão disponíveis em dados estruturados''

Van Hyfte, da Intersystems: ''Apenas 20% das informações médicas estão disponíveis em dados estruturados''

Quando falamos em big data, analistas citam saúde como uma das áreas promissoras na adoção da tendência ao lado do setor financeiro. Na ponta, tecnologias de análise de dados são fundamentais para pesquisas científicas. É o caso do projeto Genoma, decodificação genética do ser humano. “Há um imenso valor e ainda estamos descobrindo como usar esses dados, onde será o impacto para prevenção e cura de doenças. O que sabemos é que é imensamente importante capturar esses dados”, resume o vice-presidente de plataformas HealthShare da Intersystems, Robert Nagle.

A fornecedora de tecnologias e plataformas possui forte atuação na área médica e possui, inclusive, um projeto de pesquisa em parceria com a Global Alliance for Genomics and Health que usa os dados do genoma já mapeados para auxiliar no tratamento de doenças. Hoje, de acordo com Nagle, são 3 mil doenças para as quais já existem testes genéticos. O executivo admite, contudo, o estágio “primitivo” do projeto, ainda longe de capitalização.

A grande promessa, contudo, reside nos dados não estruturados. Em primeiro lugar devido à importância que os dados têm para o desenrolar de cada caso, seja para o paciente quanto para a instituição. Em segundo lugar, pelo imenso volume de informações não estruturadas disponíveis – descritivo de médicos e da equipe de enfermagem, exames de imagem, descrição de terapias, entre outros. A chave é: muitos deles já estão disponíveis.

“Há enorme benefício em encontrar maneiras de tirar proveito dessa informação. Procurar episódios similares e prevenir tratamentos custosos, tanto para o paciente, quanto para a instituição médica. Olhar para registros, detectar padrões e identificar se algo parecido já ocorreu antes”, exemplifica Nagle.

Exemplos práticos
A organização Parnassia atende de pacientes com problemas psiquiátricos e tinha como objetivo reduzir os casos de isolamento de alguns deles. Após a implantação do prontuário eletrônico do paciente (PEP), pela primeira vez a instituição se viu com dados que possibilitavam um projeto piloto analítico, com fins de pesquisa clínica para determinar padrões de pré-isolamento com vistas a evitar essa medida, considerada o último caso no tratamento de pessoas com problemas psicóticos.

A meta do projeto era determinar quais palavras ou frases, na descrição do corpo médico e de enfermeiros, precediam um caso de reclusão – tendo assim valor preditivo. As informações coletadas entre outubro e abril de 2011 foram analisadas com o iKnow, ferramenta de analytics para dados não estruturados da Intersystems, em registros de 524 pacientes. Desses, 21% eram de pacientes isolados.

Foi possível determinar, então, o uso de palavras mais frequentes no caso de isolamento, como caótico, conflito, estado psicótico maníaco, falta de cuidado motor, impressões sem empatia, discussões, entre outros. Assim, de acordo com a Parnassia, o corpo clínico concluiu que o método de análise de texto oferecido pela ferramenta foi suficiente para prever riscos, complementando a terapia e o tratamento e, assim, evitando a reclusão.

“Hoje, apenas 20% das informações médicas estão disponíveis em dados estruturados”, contabiliza o conselheiro sênior para informática biomédica da Intersystems, Dirk Van Hyfte. Formado em psiquiatria, ele conta que para conseguir essa precisão na “análise preditiva” a tecnologia tem que partir das peculiaridades das descrições e assim estabelecer um padrão. Assim como os preceitos da computação cognitiva e inteligência artificial, o sistema “aprende” a linguagem utilizada em um smart index, para depois ser relacionado com um dicionário de ontologia e só então fazer as correlações. Essa abordagem é oposto do método tradicional top-down, que parte de um conhecimento pré-estabelecido.

“Na saúde, especificamente em analytics, para construir um sistema de alerta com o smart index você deve considerar as palavras usadas em um contexto. E por isso o sistema é tido como baseado em linguagem real”, resume o cientista. “Para fazer sistemas, temos que ter a certeza de que eles não sejam algo desconexo da realidade. Temos que partir do nosso mundo: a gente sempre pensa em procurar algum termo, mas em analytics na saúde temos que pensar diferente, em grupos, para que os termos em si sejam evidenciados”, ele diz.

Van Hyfte vê muitos outros casos onde o iKnow e outras tecnologias analíticas para dados não estruturados podem ser aplicados. É o caso do diagnóstico e prevenção da hepatite C, câncer de mama, entre outros.

Realidade brasileira
No Brasil, são poucos os hospitais, clínicas, laboratórios ou instituições que já contam com aplicação de inteligência analítica avançada. O Fleury, por exemplo, chegou até a testar um piloto com a tecnologia da Intersystems para a segmentação de pacientes com base em critérios complexos, combinando dados estruturados e não estruturados, a exemplo do que já ocorre em alguns hospitais e instituições médicas na Bélgica, Holanda e Luxemburgo. O momento em que a companhia vive, contudo, com estudos de ofertas de compra de parte do grupo e outras operações administrativas, adiou a execução do plano.

Outro cliente da Intersystems, o governo do Distrito Federal, vê analytics como uma “segunda fase” após a informatização da rede de 20 hospitais, 69 centros de atenção primária e 20 laboratórios. Neste ano, contudo, o processo eleitoral deixou esse andamento para segundo plano.

“O Brasil, embora seja um mercado em crescimento, não tem o primeiro passo para analytics que é a informação clínica eletrônica, em comparação com os níveis de Estados Unidos, Europa. É algo muito recente, e casos como o do DF são primários”, opina o diretor geral da América Latina da Intersystems, Carlos Eduardo Nogueira.

De fato, a presença do PEP é exceção de tal modo que é difícil encontrar dados precisos onde ele esteja presente. De acordo com o estudo Antes da TI, a Estratégia na Saúde 2013, realizado pela IT Mídia em parceria com Sérgio Lozinsky, consultor em gestão de negócios e TI, e com o apoio de Claudio Giulliano Alves da Costa, diretor de TI da Bionexo e diretor-presidente da FOLKS eSaúde, 65% das instituições já utilizam de algum modo o prontuário eletrônico.

O número, no entanto, não pode ser tomado como parâmetro para a saúde nacional. A amostragem de respondentes é de 167 instituições, a maioria delas privadas, com forte predomínio no Estado de São Paulo (40,7%). A questão é que aproximadamente 70% da rede é representada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, há uma enorme base não medida que ainda mantém dados valiosos em papel, impossibilitando a TI de chegar até eles.

Uma nova abordagem
A questão do uso de tecnologia analítica é crucial para a mudança de abordagem do setor de saúde frente a tecnologias. De acordo com Nogueira, é uma tendência mundial que os negócios da área se voltem a terapias e políticas preventivas. “É uma grande mudança. Você deixa de olhar para a doença e olha para a saúde do paciente. E isso ajuda enfrentar o momento de crise que o setor de saúde está vivendo”, analisa o executivo.

Claro que a viabilidade também esbarra em problemas de infraestrutura. É necessário capacidade de rede e armazenamento para que toda essa informação seja utilizada e trafegada, de modo a impactar até mesmo o dia a dia dos médicos, enfermeiros. Nogueira cita um exemplo trivial, como o programa do governo federal Saúde da Família, pelo qual alguns médicos visitam os pacientes em seus domicílios e já utilizam tablets e smartphones para o input de informações. “A tecnologia é meio e está acontecendo. Isso não só no Brasil, mas na América Latina como um todo. A tecnologia é um meio, e será necessária a mudança de gestão das instituições para amarrar isso tudo”, conclui.

* a jornalista viajou a Orlando para o Intersystems Global Summit, onde a reportagem foi produzida, a convite da Intersystems





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