A COVID 19 acelerou mudanças e veio trazendo desafios que nos fizeram ultrapassar barreiras tecnológicas que talvez, em outros momentos, demoraríamos anos para superar. A ciência de dados está utilizando o aprendizado de máquinas para diminuir a subnotificação de casos deste vírus para, deste modo, encontrar uma combinação de intervenções não farmacológicas e dar uma resposta que vá em encontro a saúde da população, diminua a perda de vidas humanas e que tenha o menor impacto econômico possível. Um exemplo disso, é o trabalho que a Secretaria Municipal de Florianópolis juntamente, com o Laboratório de Engenharia de Ciências da Informação da UFSC, que tem utilizado algoritmos de inteligência artificial para analisar o subdiagnóstico de casos da COVID-19 e assim, mitigar a transmissão de SARS-CoV-2.
Atualmente, vivemos um momento onde estão despontando diversas soluções farmacológicas e até mesmo genéticas, como resposta a esta pandemia que tanto nos tira da nossa zona de conforto. Mas, a verdade é que até o momento presente ainda não existe uma resposta efetiva e cientificamente comprovada para cura da COVID 19. Na ausência de fármacos, as estratégias de isolamento e distanciamento social continuam sendo as únicas medidas eficazes e capazes de diminuir a transmissão do SARS-CoV-2. Apesar disso, estas medidas têm sido muito polêmicas, já que afetam diretamente a economia e consequente, a subexistência e o bem estar da população.
Dentro deste contexto, alguns estudos, como o realizado no estado de Ontário_ Canadá, apontam que o ideal, principalmente para países subdesenvolvidos, seria a distanciamento físico dinâmico com a combinação de um isolamento social mais restrito e períodos relativamente mais descontraídos, que de maneira ideal, contaria com testes eficientes, isolamento dos casos, rastreamento de contatos e proteção de vulneráveis. Deste modo, seria possível um controle dos casos e a permissão de uma “tomada de ar” nas economias locais nos períodos de intervalos. Mas, para que isso ocorra de maneira segura, a peça chave é o monitoramento dos casos para customização das estratégias de controle da pandemia.
Este modelo de monitoramento seria possível caso houvesse a possibilidade uma testagem diagnóstica em massa, acompanhada de isolamento dos casos e rastreio dos contatos. Entretanto, devido a tempestividade da pandemia, os atrasos no diagnóstico e na prestação de cuidados médicos, além da falta de material e profissionais da área da saúde para trabalhar, fica difícil haver um monitoramento em massa que seja efetivo e seguro. Assim, para ajudar a superar a estes desafios, a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis e o Laboratório de Engenharia e Ciência de Informações da UFSC têm aplicado o uso da ciência de dados para analisar a existência de subnotificações de casos COVID 19, e deste modo, direcionar para um melhor planejamento das decisões que devem ser tomadas.
Com intenção de comprovar a aplicabilidade dessas ações, um estudo desenvolvido por esses centros verificou a eficácia da técnica de análise de Machine Learning Nowcasting, ou “predição do presente”, através do uso de um algoritmo para a classificação dos casos notificados como suspeitos e que não possuíam diagnóstico conclusivo. Neste estudo foram comparados os possíveis casos de COVID 19 entre os dias 28-05-2020 ao dia 02-06-2020 e a incidência em todo o período. O critério de notificação adotado foi o mesmo do Ministério da Saúde do Brasil: febre acompanhada de tosse, dispneia, coriza ou dor de garganta.
Como principais resultados trazidos por este estudo, ficou evidenciado que o distanciamento social, medido pelo movimento do tráfego no município, estava associado com casos notificados e confirmados. Isso vem ao encontro das evidências que reafirmam a importância do distanciamento social, como meio para a redução da transmissão do SARS-CoV-2. Além disso, mesmo que Florianópolis tenha uma média de testagem superior à média nacional, ou seja, com menos casos subnotificados em relação aos demais municípios, foi observado uma grande diferença entre o número de casos novos confirmados pelo município e o predito pela análise nowcasting. Outro fator importante observado foi que quanto mais perto da data presente, maior o subdiagnóstico dos casos de COVID-19.
O que fica claro também no estudo é que o quanto o aprendizado de máquina pode ajudar nos modelos epidemiológicos para entender o comportamento da doença e os impactos das medidas antipandêmicas tomadas. Essa pesquisa demonstrou, através das técnicas de Machine Learning, que maiores as médias de carros circulando pela cidade têm uma grande associação com o número de casos confirmados ou seja: enquanto ainda não encontramos a vacina e o medicamento eficaz, cientificamente comprovado, o isolamento social é extremamente necessário.
Apesar disso, como se não bastassem os problemas revelados durante a pandemia, o Brasil possui um grande setor informal de emprego, com muitas fontes de renda que estão deixando de existir. Com isso a pergunta que fica é: até quando manteremos este isolamento?
A resposta exata ainda não sabemos, alguns estudos como o realizado pela Divisão de Saúde da Kantar, que desenvolveu um quadro com possíveis novos cenários, apontam que o “novo normal” dependerá do comportamento do vírus, seja ele uma ocorrência única ou sazonal e da resposta do governo. Por esse motivo, o que nos resta no momento é nos reinventarmos através do “martelo e da dança”. Este termo, desenvolvido por Tomas Pueyo, ilustra que as abordagens mais bem sucedidas da pandemia em outros países realizam um período relativamente curto,bcom medidas bem restritivas ou uma martelada no vírus, acompanhadas da dança que é um período mais leve, com a diminuição de algumas restrições de acordo com a realidade local.
O que fica de tudo isso é que a tecnologia e a ciência de dados estão a frente para ajudar a prever a data ideal de restrição, ou relaxamento dessas medidas. O COVID-19 continuará sendo um desafio para o mundo nos próximos meses, e os dados representam um desafio para os estatísticos e epidemiologista, principalmente em países em desenvolvimento, devido à magnitude da subnotificação. Além disso, a pandemia trouxe a luz desigualdades sociais e fez com que o mundo desse um salto tecnológico muito rápido. A inovação na saúde aumentou as conexões humanas, e o aproveitamento dos dados tem ajudado não somente a um aprendizado da pandemia, como também a um aprendizado social. Esperamos que, como sociedade, possamos tirar proveito desse modelo inovador de saúde para dar uma resposta que vá de encontro a uma humanização da pandemia, no que diz respeito ao número de vidas perdidas e aos impactos econômicos e sociais. Desenvolvendo assim, um modelo de trabalho inovador para máquinas e humanos, rumo a uma sociedade mais saudável, inclusiva e igualitária.
Sobre a autora
Fernanda Vargas Amaral é Doutora na área da saúde pela Universidade de Málaga (Espanha) e Consultora nas áreas da saúde e inovação em saúde.
Referências
Bedford J, Enria D, Giesecke J, Heymann DL, Ihekweazu C, Kobinger G, et al. COVID-19: towards controlling of a pandemic. Vol. 395, The Lancet. Lancet Publishing Group; 2020.
Ministério da Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença pelo Coronavírus 2019. Vigilância integrada de Síndromes Respiratórias Agudas Doença pelo Coronavírus 2019, Inluenza e outros vírus respiratórios. Versão 3. 2020.
Pueyo, T. “Coronavirus: The Hammer and the Dance,” Coronavirus, 19 de Março, 2020. Disponível pelo link.
The Lancet. COVID-19 in Brazil: “So what?” Vol. 395, The Lancet. Lancet Publishing Group; 2020. p. 1461.
Tuite AR, Fisman DN, Greer AL. Mathematical modelling of COVID-19 transmission and mitigation strategies in the population of Ontario, Canada. CMAJ. 11 de Maio de 2020.