Saúde brasileira precisa de terceira reforma sanitária?
11/04/2014 - por Januário Montone, ex-diretor da ANS, defende que agência assuma papel de integração entre SUS e saúde suplementar

Imagine uma noite de boxe. Na primeira luta, você fará uma aposta em um monumental gigante de 110 kg, que enfrentará um lutador franzino, 55 kg, magro. No segundo páreo, é a vez de apostar fichas no sujeito magrinho que vai enfrentar um musculoso e forte. O que parece incoerência serve bem de metáfora para o atual cenário de financiamento da saúde brasileira. De um lado, o sistema de saúde suplementar que investe a maior parte dos recursos para atender quase de 50 milhões de pessoas, enquanto ao SUS – com recursos limitados e infraestrutura complexa – cabe toda a população brasileira.

“Acho que a Agência [Nacional de Saúde, a ANS] atingiu o limite de competência. Nosso problema não está mais na regulação do sistema privado ou SUS, mas sim em termos um sistema desintegrado, em que os atores competem entre si”, disse o primeiro diretor-presidente da agência e hoje diretor da Monitor Saúde, Januário Montone, durante o Congresso Internacional 2014 da Aliança para a Saúde Populacional (ASAP), nesta quinta-feira (10).

O objetivo do painel era reunir todos os ex-diretores da agência para discutir seus 14 anos de criação. Respondeu à convocação da ASAP, além de Montone, Maurício Ceschin, que ocupou o cargo até 2012. Fausto Pereira dos Santos, hoje diretor no Ministério da Saúde, cancelou participação. De toda forma, o debate teve mais tom de discussão de rumos para a Saúde brasileira do que de retrospectiva. E, ao menos para Montone, o caminho parece bem claro e passa pela integração de um sistema nacional, hoje dividido entre as esferas pública e privada.

“Sistema Único de Saúde ou Sistema Nacional de Saúde? O modelo separado causa impactos inaceitáveis na sociedade brasileira”, ponderou, referindo-se especificamente à musculatura algumas vezes excessiva do setor privado. “Temos excesso de equipamentos em muitos lugares, falta em outros… De onde eu vim isso se chamava jogar dinheiro fora.”

É preciso superar falsos dilemas, disse Montone, que também foi secretário de Saúde do município de São Paulo – desafio muito maior que liderar a agência reguladora, admitiu. Para ele, é fácil criticar o SUS que precisa, evidentemente, de mais recursos, mas o que exige um novo modelo de gestão e governança.

“É o momento da terceira onda da reforma sanitária brasileira”, disse, colocando em primeiro lugar a criação do SUS, com a Constituição de 1988, e depois o estabelecimento da ANS, que regulamentou o setor privado. Esses dois marcos, considerados quebras de paradigma por Montone, precisam ser sucedidos por uma integração dos dois sistemas com uma agenda bem definida.

“[É preciso] perceber que o SUS é público, não é estatal. Expandir o setor de saúde suplementar com incentivos do poder regulador, a descoberta e o desenvolvimento de áreas onde se tenha uma ação integrada”, explicou, sem ponderar a respeito das dificuldades legais ou técnicas da questão. Para ele, a integração é o caminho para mesclar a força dos setores público e privado – abrangência no primeiro, musculatura no segundo.

Assim, o papel da ANS dentro deste novo modelo de saúde seria a de indutora do desenvolvimento do setor da saúde suplementar em integração com SUS, o que “não avançou” nos últimos anos. “O trabalho da agência em 15 anos foi o melhor possível dentro das circunstâncias, pois ela perdeu muito poder de fogo ao longo dos anos”, disse, mas ressaltou o papel de fiscalização, “que também é importante, mas que precisa ser contrabalanceado”.

Saúde vs doença
Maurício Ceschin, último diretor-presidente da ANS, preferiu se ater ao tema do congresso e pensar no potencial do órgão de promotor do bem- estar. “A agência tem cada vez mais um papel na produção de saúde”, disse, ressaltando a regulação assistencial e o incentivo à qualidade, que “temos o papel de cada vez mais incentivar”.

O principal desafio do sistema, “de longe”, é a sustentabilidade, tanto na saúde suplementar como na pública. E não se trata de um desafio brasileiro. “Garantir acesso à saúde não é um desafio brasileiro, é um desafio global”, lembrou Ceschin. “Estamos inseridos em um contexto de modelo muito sui generis, que não conversa de forma nenhuma. A lei orgânica do SUS e da saúde suplementar tem intersecção.”

O desafio da sustentabilidade recai ainda sobre a “cultura de tratamento da doença, não de promoção da saúde. Sem querer ofender ninguém, mas estamos em um modelo de consumo que privilegia a utilização de materiais”. Diante do cenário negativo, potencializado pelo envelhecimento da população, é preciso não só um “choque de eficiência” do setor, mas também um estímulo para que as operadoras adotem programas de promoção à saúde – registrados pela Agência.

Para o ex-diretor, a ANS pode ser mais ativa ao contribuir com a promoção à saúde. Entre as possibilidades está a regulação de incentivos das operadoras para os próprios beneficiários – o que exigiria uma evidente mudança de cultura, mas que “é possível”.





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