Operadoras e prestadores: como induzir boas práticas?
Diretor adjunto de desenvolvimento setorial da ANS, Leandro Fonseca analisa o papel da autarquia no diálogo entre os players
10/04/2014

Em meio a tempos tão turbulentos, de tanto grito e até truculência para reivindicar o que se quer no Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) investe em uma iniciativa ousada: induzir à adoção de boas práticas entre as operadoras de planos de saúde e os prestadores de serviços. Ousada porque traz, neste momento, a proposta do diálogo e do alinhamento de interesses em favor de uma terceira parte, que muitas vezes sofre quando há conflitos e disputas comerciais entre os agentes da saúde suplementar: o beneficiário de plano de saúde.

De fato, este setor traz em sua essência interesses muitas vezes conflitantes entre os agentes. Os consumidores ou contratantes de planos de saúde, para obterem acesso aos serviços e se protegerem contra perdas financeiras elevadas em caso de necessidade de tratamentos médicos caros, contratam as operadoras. Diferentemente do que ocorre em outros setores, a prestação do serviço, quando necessária, em geral não é realizada diretamente por quem foi contratado pelo consumidor, mas, sim, pelos chamados prestadores de serviços de assistência à saúde. Isto é, hospitais, clínicas, laboratórios e médicos – que são, por sua vez, contratados, referenciados, credenciados ou cooperados junto às operadoras.

Diante dessa realidade, os interesses comerciais são claramente divergentes: a receita de um é custo para o outro. E, no meio das disputas comerciais entre esses agentes, muitas vezes é o consumidor quem fica desamparado com suspensões de atendimento, descredenciamentos, descontinuidades de tratamento e adoções de práticas clínicas nem sempre recomendáveis.

A abordagem da ANS sobre esse tema vem sendo, há mais de dez anos, a do formalismo: exigir que haja um contrato detalhado entre operadoras e prestadores de serviços, de forma que o relacionamento seja saudável – ao menos no papel. Não obstante a exigência quanto ao conteúdo dos contratos tenha cumprido função importante no setor, a realidade tem se mostrado mais complexa do que um contrato pode prever. Aliás, é a prática do dia a dia que reflete um bom relacionamento e não necessariamente o que foi pactuado em um dado momento. Daí a proposta técnica de uma nova abordagem regulatória: a regulação por indução.

É preciso evoluir para além do formalismo, induzindo e valorizando a adoção de práticas que promovam ao alinhamento de interesses entre operadoras e prestadores de serviços e, consequentemente, levem à melhora no atendimento ao consumidor. O desafio que surge então ao regulador é: como medir um bom relacionamento entre as operadoras e os prestadores de serviços? A adoção de quais práticas, consideradas como boas práticas, pode levar ao alinhamento de interesses e forjar um bom relacionamento entre eles?

Para a construção dessa nova abordagem regulatória, a ANS inovou em mais um aspecto: trouxe uma proposta deliberadamente aberta para que a coletividade propusesse quais deveriam ser os temas ou indicadores que melhor refletiriam a adoção das chamadas boas práticas.

O curioso foi que, nas diversas oportunidades oferecidas para envio de contribuições, seja em câmara técnica, consulta pública ou audiência pública (a primeira já realizada pela ANS), essa proposta em aberto tenha sido criticada com a mesma intensidade de quando a Agência propõe uma norma já detalhada.

Essa crítica não vai, contudo, arrefecer a postura de se investir no diálogo, seja entre a agência reguladora e a sociedade, seja entre operadoras e prestadores de serviços. Reside aí uma outra inovação que a proposta de norma traz: a criação de um comitê de boas práticas entre operadoras e prestadores para que, sob a coordenação da ANS, as partes inicialmente acordem os indicadores de um bom relacionamento e posteriormente este seja o fórum permanente dedicado ao aperfeiçoamento dessa regulação indutora.

Importante dizer que o recurso a táticas de pressão sobre o órgão regulador, vindas de um lado ou do outro, não irá afetar a análise técnica das contribuições, minar a abordagem indutora ou esmorecer a atuação em prol do interesse público. E a promoção de um sistema que gere saúde para os beneficiários é o bem maior a se atingir aqui.

*Leandro Fonseca é diretor adjunto de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

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