A telemedicina pode ser definida como todo exercício médico à distância que tenha como objetivos a informação, o diagnóstico e o tratamento de pacientes, dando apoio para a medicina tradicional.
Analisando de maneira criteriosa, involuntariamente, já utilizamos os recursos da telemedicina, quando encaminhamos uma mensagem, e-mail ou fazemos uma ligação para o nosso médico para sanar alguma dúvida emergencial.
A rápida disseminação do coronavírus (Covid-19) contribuiu para um salto gigantesco da tecnologia em nossa sociedade e também para a disseminação do uso da telemedicina. O exercício do atendimento médico por vídeo, que já era um assunto discutido há anos se tornou um método bastante eficiente para evitar o risco de contaminação do vírus.
A empresa indiana Mordor Intelligence, em 2018, divulgou um relatório estimando que a telemedicina global valerá mais de US$ 66 bilhões até o final do ano de 2021[1]. Com base nesse estudo e no cenário que estamos vivendo, acredita-se que o atendimento médico pela internet no Brasil possa crescer muito nos próximos anos, principalmente se o Conselho Federal de Medicina regular o tema após o fim da pandemia.
Mesmo sem um entendimento consolidado, em 16/4/2020, foi publicada a Lei nº 13.989/2020, a qual autoriza o uso da telemedicina em quaisquer atividades da área de saúde enquanto durar a crise ocasionada pela Covid-19, visando a segurança e a continuidade do atendimento a toda população. Ou seja, durante a pandemia, os médicos poderão atender pela internet e prescrever receitas e atestados. Para validar sua autenticidade, os documentos precisam de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.
Em meio à pandemia, a utilização da prescrição eletrônica tem sido muito utilizada, pois, permite que o paciente não precise ir até a farmácia, podendo fazer a compra do medicamento à distância. Além disso, também otimiza a atuação do farmacêutico, que vai eliminar as dificuldades de identificação com a escrita manual, como também vai aumentar a segurança da assistência ao paciente.
Enfim, vivemos em uma nova era, repleta de recursos tecnológicos e digitais, e não há mais como retroceder. Nessa fase de isolamento social pelo coronavírus, vimos que um paciente pode passar por uma consulta, receber sua receita médica de forma digital e adquirir a medicação sem sair de sua residência, tornando o atendimento na saúde cada vez mais ágil e eficaz.
É indiscutível, portanto, que a telemedicina oferece diversas vantagens. Todavia, a segurança das trocas dos dados pessoais dos pacientes precisa estar no centro das atenções. Como pode ser visto, essa tecnologia pode facilitar nossas atividades do cotidiano, tendo em vista que hoje não é comum enfrentar horas em uma fila de banco para pagar uma conta, ir ao supermercado fazer compras, horas no engarrafamento para reuniões etc. Hoje é possível fazer tudo dentro de casa com um dispositivo conectado à internet e essa realidade não deveria ser diferente na área da saúde.
Empresas de tecnologia e prestadoras de serviços médicos que irão desenvolver plataformas digitais precisarão estar atentas a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). Dados pessoais e informações relacionadas ao diagnóstico de pacientes obtidos durante uma consulta de telemedicina devem ser protegidos para evitar acesso não autorizado, isso por meio de medidas de segurança da informação apropriadas e atualizadas constantemente. Uma política de gestão de riscos, com a conscientização interna das equipes e treinamento frequente pode ajudar a evitar o risco de incidentes de segurança.
Os prontuários médicos eletrônicos deverão ser armazenados em um banco de dados seguro. Um método bem conhecido é a utilização da criptografia, o qual os dados são transformados em um conjunto de códigos que só as partes daquela relação conseguem decifrar, impedindo o acesso de terceiros que não possuem o código para acessar. Atualmente, é a tecnologia mais segura para proteger dados pessoais, tendo em vista que é praticamente impossível decifrar o código de acesso.
Além disso, o dever de proteção aos dados pessoais não é exclusivo do médico, mas estende-se às equipes assistenciais envolvidas no atendimento, bem como o software utilizado no atendimento. A LGPD estabelece que o tratamento de dados sensíveis precisa caminhar fielmente com sua finalidade.
A LGPD parece chegar na hora certa, prevendo bases legais taxativas para o tratamento de dados pessoais sensíveis, que incluem dados relacionados à saúde. A principal base de dados a ser utilizada para atividades de tratamento de dados pessoais em atividades relacionadas à telemedicina, certamente será a explicita no Art. 11, II, alínea “f” da LGPD, a tutela da saúde, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária, entretanto, cada atividade deverá ser analisada em cada situação do hospital/clínica.
A lei tem como objetivo acabar com a utilização desenfreada de dados pessoais. Além disso, assegura que desde o atendimento pela internet, até a compra do medicamento à distância por meio da receita digital, seus dados sejam protegidos de forma rigorosa.
Desse modo, para manter a segurança da empresa e do paciente, é preciso que seja realizado um mapeamento de dados, capaz de apontar as vulnerabilidades que podem ocorrer durante o tratamento de dados pessoais e os planos de remediação para tais vulnerabilidades, mas também de utilizar a tecnologia disponível para assegurar os direitos dos titulares e a atividade da empresa.
Sem dúvida, são muitas as vantagens da telemedicina se exercida de maneira legal. A utilização da tecnologia certamente irá melhorar e aumentar o acesso a pacientes, melhorar a precisão dos diagnósticos e transmissão de conhecimentos entre profissionais especializados alocados em regiões distantes.
Levando em consideração as tendências observadas no resto do mundo, benefícios e o cenário atual, a regulamentação da telemedicina no Brasil aparenta estar cada dia mais perto. Mas para tanto é importante que venha lado a lado da Lei Geral de Proteção de Dados.
Sobre os autores
Lucas Paglia, sócio da P&B Compliance, advogado especialista em gerenciamento, mitigação e mapeamento de risco, pós-graduado em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas e certificado pelo Insper e Data Privacy Brasil em Proteção de Dados & Privacidade.
Rodrigo Tufano, especialista em Privacidade e Compliance na P&B Compliance.