Lei Anticorrupção turbina negócios
03/04/2014 - por Por Fernando Torres e Natalia Viri | De São Paulo

Depois de surfar na onda da Sarbanes-Oxley e do IFRS, as grandes empresas de auditoria, especialistas em se reinventar para manter a trajetória de crescimento anual na casa dos dois dígitos, apostam agora na Lei Anticorrupção.

Os serviços para adequação à nova legislação estão entre aqueles de maior crescimento de demanda no último ano, afirmam representantes das "Big Four". E a expectativa é que a tendência se mantenha neste ano, já que, apesar de a lei ter começado a vigorar no fim de janeiro, a maioria das empresas ainda precisa implantar ou aperfeiçoar processos para se adequar a ela.

Antes mesmo da lei, a divisão da EY especializada em fraudes e investigação apresentava crescimento de 50% nos negócios, o que levou à contratação de profissionais no mercado e à ampliação no número de sócios da área de dois para cinco, relata Sergio Romani, sócio-líder de auditoria da firma. A Deloitte espera uma expansão semelhante no faturamento, enquanto, na PwC, a equipe dedicada a essas áreas dobrou nos dois últimos anos.

Na KPMG, a demanda por serviços da área que trabalha na prevenção e apuração de fraudes dobrou no último ano e a previsão é que o desempenho se repita neste ano, afirma Geronimo Timerman, sócio-líder da divisão. "Já havia uma preocupação crescente com fraudes no Brasil. Com a legislação, isso se tornou uma obrigação", disse o executivo.

Os argumentos para aumentar a clientela são bons e respaldam a confiança de que as receitas devem crescer. A lei brasileira prevê que as empresas que forem pegas em atos de corrupção poderão ser multadas em até 20% do faturamento bruto anual - medida que, sem exageros, tem potencial para quebrar muitos negócios.

Na expectativa de Romani, da EY, não será surpresa se as autoridades brasileiras usarem os primeiros casos de corrupção identificados sob a nova lei para dar o exemplo. "A prática de corrupção vai ter que se sofisticar, porque a punição é extremamente dura. Hoje muitas empresas fazem sem pudor", diz ele.

A experiência com aplicação de leis semelhantes no exterior mostra que as penas são severas. De 2008 a 2013, o valor das multas decorrentes da aplicação da lei americana, conhecida pela sigla FCPA, soma US$ 5,83 bilhões, de acordo com levantamento da EY feito a pedido do Valor. O maior caso envolve a alemã Siemens, que pagou multa de US$ 800 milhões em 2008 ao firmar acordo com o Departamento de Justiça e a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês).

Os especialistas chamam a atenção, contudo, para o fato de que multa é apenas uma fração do que as empresas gastam no processo de apuração e investigação das práticas ilícitas, e posteriormente em prevenção. Recentemente, por exemplo, o Wal-Mart revelou que gastou US$ 439 milhões nos últimos dois anos apenas para fazer investigações sobre supostos casos de corrupção - inclusive no Brasil -, e que espera desembolsar algo em torno de US$ 200 milhões a US$ 240 milhões neste ano para continuar o trabalho. E os valores não incluem a eventual multa.

A saída para reduzir os riscos - e os potenciais desembolsos - está prevista na própria legislação tanto no caso brasileiro quanto no americano. As empresas que tiverem um programa de prevenção de corrupção bem estruturado deverão ser beneficiadas no momento de aplicação das penas. E é para oferecer esse tipo de serviço que as empresas de auditoria se apresentam aos clientes.

 

 

Por enquanto, afirmam os executivos das firmas de auditoria, os principais serviços têm sido voltados ao entendimento da lei e ao mapeamento da exposição em relação ao governo e do nível de maturidade das estruturas de governança. "Toda semana, temos pelo menos duas palestras para explicar a legislação", afirma Leonardo Lopes, sócio da área de compliance e investigação da PwC.

A expectativa é que o número de empresas que buscam se adequar à lei aumente, especialmente depois que Controladoria Geral da União (CGU) divulgar a regulamentação com mais riqueza de detalhes em relação ao que considera ser um bom mecanismo de compliance. "Não tem muito segredo, é um modelo semelhante ao americano. Mas muitas empresas ainda são resistentes a fazer mudanças com medo de ter retrabalho depois da regulamentação", ressalta Lopes.

Procurada pela reportagem, a CGU informou que de sua parte o decreto de regulamentação está pronto, e que aguarda agora a decisão da Presidência da República.

Outra demanda importante das empresas é da estruturação de canais de denúncia. As quatro firmas de auditoria oferecerem o serviço, com equipes voltadas para receber as denúncias e avaliar se há indícios concretos para se abrir uma investigação. "Esse foi um serviço específico que criamos por conta da lei. Ninguém quer ter os canais dentro da própria empresa, até pelo risco de a denúncia se perder lá dentro, a depender de quem a recebe e quem a processa", diz Ronaldo Fragoso, sócio líder da área de riscos empresariais da Deloitte.

De acordo com os executivos, as empresas com relação mais próxima com o governo, como construção pesada e indústria farmacêutica, bem como as incorporadoras imobiliárias, são as mais preocupadas em atender à lei. Da mesma forma, multinacionais, sujeitas ao FCPA, já estão adequando seus processos para fazer frente às especificidades da lei brasileira.

Segundo José Francisco Compagno, sócio da EY e especialista na área de fraudes, um desafio é atrair as empresas que não firmam contratos diretos com o poder público, já que muitas consideram que não são afetadas pela nova lei. Ele reconhece que há empresas mais ou menos expostas, mas lembra que "todas podem receber a visita de um fiscal" um dia.

Compagno cita também que qualquer empresa que faça exportação ou importação está sujeita à legislação, dado que quase todas usam despachantes aduaneiros para liberar mercadorias nos portos e aeroportos. Esse ponto é importante porque será punido tanto o ato de corrupção praticado diretamente pela empresa como por um terceiro que a represente.

"Muitas empresas acreditam que a mera existência de um código de ética representa conformidade à lei, o que não é verdade", diz Claudio Teixeira, diretor da área de fraudes da KPMG. Assim, mais do que ajudar a desenhar a política, as firmas apostam na perspectiva de sofisticação dos serviços, como aperfeiçoamento de estruturas de gestão de riscos, análise de dados e monitoramento das regras de prevenção à corrupção.

Além disso, com o surgimento das denúncias, os serviços de investigação de fraudes também tendem a aumentar. De acordo com Compagno, da EY, para as empresas que quiserem implementar programas de compliance "só para inglês ver", a medida de fato representará apenas um aumento de custo. "Mas já existe um grupo de empresas que percebe oportunidades de ganho, já que a estrutura pode ser usada para identificar fraude interna, reduzir perdas e melhorar a eficiência de processos", afirma.

Diferentemente do que ocorre nos EUA, no Brasil a CVM não tem papel legal na aplicação da Lei Anticorrupção.

No entanto, a autarquia ressaltou em nota que as empresas devem observar a regulamentação "divulgando os riscos, se presentes, que envolvam a questão, bem como eventuais fatos relevantes envolvendo investigações".

 


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