O Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) não tem qualidade técnica comprovada para montar e operar sete hospitais de campanha do governo estadual, num contrato emergencial originalmente orçado em R$ 836 milhões. A conclusão é do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que, na terça-feira, determinou a suspensão dos pagamentos à organização social. Ontem, o Iabas, que só entregou uma unidade, no Maracanã, informou que prestará esclarecimentos ao tribunal e alegou que, sem os repasses, poderá atrasar ainda mais as obras dos outros hospitais. O governo, por sua vez, afirmou que cumprirá a decisão.
Em sua análise sobre o contrato emergencial, que tem duração prevista de seis meses, o conselheiro Christiano Lacerda destacou que serviços complexos encomendados pelo estado estão “genericamente condensados em um item”. Ele chamou a atenção para alguns custos, como o de R$ 4,5 milhões mensais, para cada hospital, relativo à manutenção de tendas. Lacerda citou ainda os gastos de R $1 milhão em “assessoria e consultoria” e de R$ 611 mil em “limpeza predial e jardinagem”.
Diante da falta de detalhes sobre precificações, serviços e descrições técnicas das estruturas, o TCE deu 5 dias (contados a partir de ontem) para a Secretaria estadual de Saúde e o Iabas prestarem esclarecimentos, a fim de evitarem “a permanência da possível situação ilegal relatada no processo”. O governo já repassou R$ 256,5 milhões à OS, que já deu várias justificativas para os atrasos nas obras dos hospitais, incluindo funcionários impossibilitados de trabalhar por terem contraído a Covid-19, entraves burocráticos e até tiroteios nas proximidades de um dos canteiros, em São Gonçalo.
Os questionamentos são feitos após o ex-subsecretário de Saúde Gabriell Neves — preso desde o dia 7 sob a acusação de liberar pagamentos para contratos superfaturados — afirmar, em depoimento a promotores do estado, que seu antigo chefe estava ciente de todos os processos. Em entrevistas, Edmar Santos, que comandava a pasta, havia dito que não acompanhava a elaboração e o recebimento de propostas. O ex-secretário não foi localizado para dar entrevista.
O contrato entre o governo e o Iabas foi orçado em R$ 836 milhões em abril. Estabelecia a abertura de 1.400 leitos em sete hospitais de campanha, número reduzido para 1.300. Assim, o valor caiu para R$ 770 milhões.
O Iabas, segundo o TCE, prevê custo mensal de R$ 19,8 milhões para cada unidade com 200 leitos. Do total, R$ 5,1 milhões são destinados a gastos com pessoal; R$ 2,1milhões para remédios e insumos, R$ 763 mil para “material de consumo” e R$ 11,8 milhões para serviços terceirizados. Este último item chamou a atenção do TCE: Christiano Lacerda pediu detalhamentos de todas as contas, incluindo as de educação continuada (R$ 255mil), serviços assistenciais médicos (R$ 595 mil), locação de equipamentos (R$ 68 mil) e fretamento logístico terrestre e aéreo (R$ 498 mil).
Prometida para 30 de abril e mudada para outras quatro datas, a abertura do hospital de campanha de São Gonçalo foi adiada pela quinta vez. A última estava programada para ontem, e a justificativa para seu cancelamento é a necessidade de troca de piso. Segundo o Iabas, o mais novo problema teve início com uma visita do deputado estadual Filippe Poubel (PSL). Seguranças do parlamentar teriam pisado em piche e sujado o chão, criando risco de contaminação.
Até a noite de ontem não havia sido divulgada uma nova data para a inauguração da unidade, uma das seis sob a responsabilidade do Iabas que estão atrasadas. Em nota, a organização social informou que já iniciou “a troca de parte do piso do hospital”. “Diante dessa adversidade, o Iabas precisou utilizar os pisos que iriam para a unidade de Nova Iguaçu, que será finalizada com material comprado ontem à noite (quarta-feira), disponível no mercado com valor próximo ao dobro do preço”, diz um outro trecho do comunicado.
Questionada sobre nova previsão para a inauguração, a OS evitou fazê-la: “Atualizaremos a imprensa tão logo tenhamos novas informações sobre São Gonçalo e Nova Iguaçu”.
Mesmo que os sapatos sujos de piche dos seguranças tenham atrapalhado a abertura do hospital de São Gonçalo, imagens registradas na noite de anteontem por um fotógrafo do GLOBO revelaram que ainha havia muito a ser feito. Operários trabalhavam apressadamente em vários pontos do entorno da unidade, inclusive abrindo um buraco para a instalação de uma tubulação de esgoto. Ao mesmo tempo, escavadeiras eram usadas numa rua de acesso completamente alagada.
A unidade de Duue de Caxias também não tem uma data de inauguração. Inicialmente, os dois hospitais seriam entregues até sábado. O GLOBO esteve ontem no local onde vai funcionar o hospital de Nova Iguaçu. Na área externa, havia uma retroescavadeira fazendo limpeza e três funcionários. Durante uma hora, não houve movimentação de pessoas nem de veículos. O deputado estadual Marcelo do Seu Dino (PSL) esteve na unidade de Caxias na última terça-feira e mostrou o quanto ainda falta para o local começar a receber pacientes:
— Dentro do hospital, não tinha ninguém. É um abandono, descaso. Nada andou. Tudo jogado, colchões cheios de poeira, uma bagunça total. Entrei com vários requerimentos de informação, pedindo todas as informações possíveis, e vou acionar o Ministério Público.
Atualmente, Caxias conta com 134 leitos de UTI exclusivos para a Covid-19: 128 do Hospital Municipal São José e seis do Hospital Municipal Dr. Moacyr Rodrigues do Carmo. Na UPA Beira Mar, há 32 leitos de enfermaria de retaguarda. Na rede estadual, são 39 leitos de UTI e 36 de enfermaria para Covid no Hospital Adão Pereira Nunes, o Hospital de Saracuruna. Já Nova Iguaçu possui 75 leitos, todos no Hospital da Posse. Desses, 40 são de CTI.
— Chama a nossa atenção o pouco caso que os governantes têm em relação à Baixada. Se já tivéssemos os hospitais de campanha funcionando, o número de óbitos pela Covid na região seria menor — lamentou Adriano de Araujo, coordenador executivo do Fórum Grita Baixada (FGB).
Além do FGB, 20 instituições da sociedade civil assinaram a carta manifesto “Hospital de Campanha Já”, solicitando a criação de um hospital de campanha em São João de Meriti.
Meriti solicitou hospital
Sobre a carta manifesto, a Prefeitura de São João de Meriti informou que o prefeito Dr. João Ferreira “já solicitou e vem solicitando constantemente aos governos federal e estadual a construção de um hospital de campanha na Vila Olímpica do município, localizada à beira da Rodovia Presidente Dutra. O local é amplo e tem infraestrutura para receber um projeto como esse”.
O governo disse ainda que o município, sozinho, não tem condição financeira para montar a unidade. No último dia 20, foi inaugurado no município o Hospital Municipal de São João de Meriti – Abdon Gonçalves, o primeiro da cidade, contando com 30 leitos de UTI. No loca, funcionava o PAM Meriti.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, há 37 leitos com monitores e respiradores e 17 leitos de enfermaria destinados aos pacientes da Covid-19. Além desses, o município conta com dois leitos da rede estadual, no Hospital da Mulher Heloneida Studart, sendo um de UTI.