Empresários dão dicas de como empreender após a aposentadoria
26/03/2014

Professora aposentada montou empresa de reforma de calçadas. Especialistas fazem recomendações para abrir empresa nessa fase da vida.

 

 

Aos 58 anos, a professora aposentada Carmen Lúcia Pereira acaba de abrir uma empresa no Rio de Janeiro especializada em construção e reforma de calçadas. Já ter passado dos 50 anos não foi um empecilho para a empreendedora embarcar no negócio, pelo contrário: para ela, ter a própria empresa é uma forma de complementar a renda em um mercado de trabalho competitivo, além de proporcionar uma ocupação e oferecer um serviço diferenciado, relata.

 

“Eu preciso mesmo, preciso me sustentar, porque o que eu ganho como aposentada nunca dá, nunca deu. Eu tenho que pagar minhas despesas, tenho que trabalhar mesmo, não posso parar (...). Não tem espaço para mim nessa idade hoje no mercado e eu sempre tive essa coisa de fazer, essa criatividade, essa angústia de ideias”, relata.

 

Com o envelhecimento da população brasileira, o empreendedorismo se torna importante fator de manutenção da parcela da população de mais idade na economia ativa, avalia Luiz Barretto, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O G1 ouviu empreendedores após os 50 anos e especialistas para dar dicas a quem quer entrar no mundo dos negócios nessa fase da vida.

 

“O empreendedor com mais idade, em geral, acumula experiência profissional e tem um comportamento mais seguro e de menor propensão ao risco, com mais planejamento”, avalia Barretto. Para ele, contudo, abrir uma empresa exige coragem e determinação em qualquer idade. “Independente da faixa etária, todos os empreendedores são corajosos por natureza. É preciso arriscar, planejar e investir, não apenas dinheiro, mas muito tempo de dedicação em um negócio”, orienta.

 

Carmen, por exemplo, afirma que todo trabalho a move por um motivo pessoal que traga algum retorno que não só o financeiro. “É uma coisa que me encanta, eu gosto também das outras coisas, de ficar em casa, de fazer um ‘bordadinho’. Mas gosto também de fazer um trabalho que fique para sempre, essa questão do conforto da cidade, da acessibilidade. (...) Eu quero sempre acrescentar alguma coisa a mais”, diz, com relação à criação da empresa de reforma de calçadas.

 

Historicamente, a parcela da população de 55 a 64 anos tem menor participação de novos empreendedores do que as demais. Em 2012, 8,3% da população dentro dessa idade estava envolvida na criação de um novo negócio no país, de acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2012, feita pelo Sebrae. A maior participação era na parcela da população de 25 a 34 anos, de 19,2% (veja na tabela abaixo).

 

Para Barretto, contudo, é natural que depois de certa idade menos pessoas tenham essa disposição para iniciar um novo negócio na comparação com faixas etárias mais jovens. “A diferença costuma ser de comportamento. Um jovem empreendedor, normalmente é mais impetuoso e disposto a assumir riscos e a inovar”, diz. Ele afirma, contudo, que empreender sempre vai envolver riscos, mas um planejamento “sólido” pode minimizá-los.

 

Aposentada há cerca de dez anos, a empreendedora Carmen, por exemplo, relata que o processo de pesquisa para a criação da Espaço Calçada Z, inaugurada em meados de fevereiro, demorou aproximadamente um ano e meio.

 

A ideia de criar a empresa surgiu em uma caminhada pelo Rio de Janeiro, onde mora. “Eu vi o chão da cidade, com as calçadas todas esburacadas.” Ela fez cursos na prefeitura, visitou canteiros de obras e feiras de pedras, além de um curso de gestão, onde aprendeu a desenvolver um plano de negócio. “O curso [de gestão] foi fundamental, eu estava com muito conhecimento acumulado e não sabia como aplicar. Me deu coragem”, revela. Como não conseguiu financiamento no banco, pegou um pequeno empréstimo de R$ 30 mil com um parente para dar início ao negócio. Atualmente, a empresa está em fase de captação e desenvolvimento dos primeiros projetos.

 

Uma das especialidades é o acabamento com pedras portuguesas, mas a empresária afirma que enxerga outras oportunidades. “Penso em fazer praças, coisas voltadas ao urbano, prefeituras, sítios. Os comerciantes também, todos precisam ter as suas calçadas em ordem, o serviço precisa de velocidade para a loja não ficar tanto tempo fechada.”

 

A empreendedora diz, porém, que sempre fez alguma atividade extra mesmo quando era professora, para complementar a renda, e chegou a ser sócia em uma loja de alimentos, mas somente agora está sozinha à frente de um negócio. Ele tem, contudo, o suporte das duas filhas arquitetas. “Elas têm as carreiras delas, mas dão apoio.”

 

Experiência a seu favor

 

A experiência é um dos aspectos citados por especialistas como positivo na hora de empreender após os 50 anos, já que aprendizados e vivências com atividades em outras empresas podem ser aproveitados na gestão do próprio negócio.

 

"Existe um trade-off [jogo de perde-ganha] de experiência, networking e recursos financeiros versus não ter um custo alto de vida, responsabilidade pessoal com filhos (...). Empreendedores mais experientes têm uma bagagem de conhecimento, networking e recursos financeiros que pode acelerar e muito o crescimento do negócio e reduzir os riscos do projeto não virar", avalia Marcos Simões, diretor de serviços a empreendedores da Endeavor, organização internacional sem fins lucrativos que promove o empreendedorismo de alto impacto.

 

“Abrir um negócio próprio no mesmo ramo em que se trabalhou é uma vantagem, por já conhecer a atividade”, afirma Barretto. O presidente do Sebrae lembra, ainda, que que outro ponto a favor é a possibilidade de se dedicar a uma atividade que o empreendedor goste – o que pode não ter acontecido na vida anterior como como funcionário.

 

Ter mais recursos para investir, em comparação aos mais jovens, é outro fator positivo do empreendedorismo na terceira idade, avalia Carlos Wizard Martins, dono da rede de escolas de idiomas Wizard e autor do livro "Desperte o milionário que há em você". Segundo ele, 20% dos novos franqueados na rede têm mais do que 50 anos.

 

Martins também cita o aumento da expectativa de vida. “Hoje, a nossa população está vivendo mais, e vai viver mais e em função da qualidade de vida, do avanço da medicina, vai ter longevidade maior do que os antepassados tiveram (...). O mercado de trabalho ainda é discriminatório. No mundo do empreendedorismo não tem essa barreira, essa limitação."

 

Microempreendedor Individual

 

A administradora de empresas aposentada Yeda Mattos, de 72 anos, por exemplo, aproveitou o tempo livre após a aposentadoria para fazer artesanato. Cadastrada como Microempreendedora Individual (MEI), ela afirma que hoje tem um faturamento médio mensal de aproximadamente R$ 5 mil com a venda de produtos em patchwork (trabalho manual com retalhos de tecidos).

 

De acordo com dados do Portal do Empreendedor, havia, até 31 de março deste ano, 2,9 milhões de MEIs no país, sendo 478 mil com mais de 50 anos (16,5% do total). O MEI é a pessoa que trabalha por conta própria e se legaliza como pequeno empresário. Para ser um microempreendedor individual é necessário faturar no máximo até R$ 60 mil por ano e não ter participação em outra empresa como sócio ou titular.

 

Yeda conta que trabalhou a vida todo na indústria química em Camaçari, na Bahia, mas sempre viveu em Salvador (ela ia e voltada diariamente). Após se aposentar definitivamente, com 60 anos, descobriu no artesanato uma forma de continuar a trabalhar. “Quando fiquei mesmo em Salvador todos os dias, imaginei o que poderia fazer. Busquei um instituto que dava aulas de artesanato, o primeiro que fiz com 60 anos foi o de patchwork, depois fiz outros cursos de tecelagem”, diz.

 

Após um problema no joelho, ela passou a fazer apenas trabalhos de patchwork. “Faço tudo sozinha e à mão. Vendo nas feiras indicadas pelo Sebrae e nas feiras de diversos outros lugares, feiras do município”, explica.

 

Dificuldade

 

Os especialistas alertam, contudo, que é preciso estar preparado para eventuais problemas no andamento do negócio. “Empreender sempre envolve risco”, diz Barretto, do Sebrae.

 

Em Curitiba, por exemplo, a mudança de ponto prejudicou os negócios do empresário José de Matos, de 54 anos, que resolveu empreender após não encontrar mais emprego no seu setor, o de gráficas, onde trabalhou por 20 anos. Ele fez cursos de encadernação e se especializou em restaurar bíblias e livros antigos há cerca de 10 anos. Em 2012 ele se legalizou como MEI.

 

Há cerca de um ano, contudo, Matos mudou de ponto, no centro da cidade, e disse que perdeu cerca de 60% da clientela – o público que frequenta igrejas na região. "Foi um desastre mudar de lugar (...). No centro é muito movimentado e não tem lugar para estacionar o carro, o pessoal não vai pagar R$ 10 de estacionamento".

 

A nova realidade o forçou a voltar a procurar emprego como porteiro por meio período para ajudar nas despesas. Matos garante, contudo, que a experiência foi um aprendizado e espera ficar por pouco tempo trabalhando como funcionário. "Estou procurando um novo lugar. O que eu gosto mesmo é de reformar livros."

 

Barretto cita outros fatores que podem atrapalhar o andamento dos negócio, como não saber planejar períodos de sazonalidade, com faturamento menor, ou deixar de investir no negócio e fazer muitas retiradas do caixa da empresa. “Um erro muito comum é misturar as contas pessoais com as contas da empresa e uma pessoa habituada durante toda a vida a receber salário, pode ter dificuldades com isso no início”, salienta Barretto.

 

Para a empreendedora Yeda, que faz artesanatos, uma forma de aumentar as oportunidades é se especializar. "Eu fui para São Paulo, conheci professoras, participei de eventos, fiz cursos". Segundo ela, uma forma de aumentar as vendas é fazer produtos em todas as faixas de preços. "Para uma pessoa ter uma renda para se sustentar, ela tem que ter aquele artesanato que custa R$ 5 e o que custa R$ 50. Ela precisa fazer dinheiro (...), tem que ter peças diferenciadas mais baratas para compensar quando não vender a mais cara", avalia.

 

A aposentada afirma, ainda, que além de fornecer a renda extra, o empreendedorismo proporciona uma ocupação para a mente no envelhecimento. “Eu não vou ficar dentro de casa, eu passei a vida inteira fora de casa [trabalhando]. (...) Eu vou para lá [na feira], converso com as pessoas, para mim isso aí é saúde”, afirma.

 

 

 

 

Fonte: G1





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