Basta pouco tempo de conversa com Luiza Helena Trajano para captar uma de suas maiores marcas: ela não tem receio de mostrar como é nem o que pensa. "Sou do mesmo jeito no trabalho e em casa. As pessoas até estranham", diz. A presidente do Magazine Luiza enfrenta os olhares mais incrédulos mesmo quando o assunto é controverso. Defende, por exemplo, o estabelecimento de cotas - seja para reduzir a desigualdade na educação, no ambiente de trabalho ou na sociedade. Em sua opinião, elas têm natureza transitória e servem para conduzir um processo que não andaria no ritmo necessário espontaneamente.
Uma das poucas presidentes de grandes empresas no Brasil, Luiza apoia, inclusive, o sistema de cotas para a participação de mulheres em conselhos de administração que existe em alguns países europeus. "No Brasil, somente 7% dos conselheiros nas empresas listadas são mulheres. Se deixarmos no ritmo atual, vai levar 60 anos para esse percentual chegar a 15%."
No Magazine Luiza, ela admite "concessões" para as mulheres. Argumenta que, se uma empresa planeja ter mais mulheres em posições de liderança, precisa entender o que elas precisam. Uma iniciativa é o cuidado especial com as funcionárias que estão em vias de assumir a gerência de loja, o primeiro cargo de gestão na rede varejista. Para que não sofram a pressão direta ou indireta das demandas familiares, as candidatas são alocadas em municípios próximos aos que residem. Assim, podem fazer a formação, que leva em torno de um ano, sem se distanciar da rotina de casa. "Não é difícil, porque temos lojas em vários lugares", diz a presidente da rede com 744 pontos de venda em 16 Estados, oito centros de distribuição, além do e-commerce.
"No Brasil, somente 7% dos conselheiros nas empresas listadas são mulheres. Se deixarmos no ritmo atual, vai levar 60 anos para (...) chegar a 15%"
Mas os números mostram que ainda há muito trabalho a fazer. Hoje, 49% dos 23 mil colaboradores são mulheres, mas apenas um quarto da liderança é feminina. Conquistar o equilíbrio de gênero no topo pode ser apenas uma questão de torná-lo uma prioridade. No ano passado, esse olhar recaiu sobre o programa de inclusão de pessoas com deficiência. O resultado foi relevante. Em um ano, o número desses profissionais passou de 230 para 805.
A executiva destaca, no entanto, que a ascensão das mulheres no mundo corporativo também depende de uma mudança comportamental das próprias profissionais. Ela observa que muitas ainda têm receio de sentar à mesa de negociação com homens. "A Sheryl [Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook e autora do best-seller 'Faça Acontecer'] fala sobre isso no livro dela e tem toda razão. Às vezes, a mulher recua um pouco", afirma. Não é o caso de Luiza, que sempre buscou participar das discussões mais importantes. Ela cresceu junto a mulheres que trabalhavam fora e empreendiam, tendo como exemplo a tia Luiza que dá nome à rede. Além disso, começou a trabalhar muito cedo. Aos 12 anos, já atendia na loja em Franca "para ganhar um dinheirinho e comprar presentes para dar no Natal".
A participação de Luiza no Magazine continua central, apesar de ela ter assumido funções mais estratégicas com o cargo de presidente, criado em 2008, e deixado o dia a dia para o superintendente Marcelo Silva. A presença da executiva é facilmente percebida logo que se sai do elevador no primeiro andar na sede da empresa, em São Paulo. Uma das primeiras salas do amplo salão é a dela. Todo envidraçado e de porta geralmente aberta, o escritório antecede o da diretoria executiva e fica praticamente no meio do andar. De fora, os visitantes e os funcionários podem não vê-la sentada - afinal, ela circula muito pela companhia. Mas conseguem espiar um pouco os objetos que ilustram sua história e personalidade: fotos da família, principalmente dos quatro netos; esculturas grandes e pequenas de santos; três dezenas de elefantes, de costas para a entrada, como manda a superstição; presentes de amigos e parceiros, como uma blusa assinada por Pelé; prêmios e troféus da companhia; e um porta-fita adesiva em formato de sapato de salto alto, acessório que Luiza não dispensa no trabalho, assim como o batom.
No ano passado, a empresa voltou para o azul, com um lucro líquido de R$ 113,8 milhões. O comunicado ao mercado afirma que 2013 foi "o primeiro ano com as operações totalmente integradas". O desempenho deixou a direção da empresa feliz, segundo Luiza, e superou o fraco resultado de 2011 e o prejuízo de 2012. Esses dois anos foram afetados pela integração de duas redes varejistas adquiridas nos últimos quatro anos: as lojas do Baú e a Maia, aquisições que chegaram a ser criticadas por analistas de mercado.
O ano de 2014 será de solidificação dos resultados. A rede planeja abrir mais 40 filiais e manter o esforço de aumentar a produtividade das atuais lojas. Entre as apostas para este ano estão a promoção com o sorteio de dois prédios para os clientes e o patrocínio das transmissões de jogos da Copa do Mundo. O programa Minha Casa Melhor também pode ajudar a alavancar as vendas nas cidades onde o Minha Casa, Minha Vida tem relevância.
Manter o pé na estrada e o olho na operação, apesar do cargo mais estratégico, é essencial, segundo Luiza. Foi por isso que, de todas as atribuições operacionais transferidas para Marcelo Silva, ela decidiu ficar com a gestão do serviço de atendimento ao consumidor. No site da empresa, Luiza informa seu próprio e-mail para os clientes que não conseguiram resolver seus problemas. Esse contato direto "com o campo", como diz, é o jeito que a executiva encontrou para evitar as ilusões com os grandes planejamentos estratégicos e acabar ignorando os pequenos acontecimentos que minam o resultado diário e inviabilizam o longo prazo.
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