Rotina espartana, preparação e energia para o trabalho
21/03/2014 - por Por Helô Reinert | Para o Valor, de São Paulo

Ghislaine Dubrule dorme sete horas por noite. As outras 17 trabalha ou pensa no futuro da Tok&Stok. A executiva não abriu mão de dar continuidade ao estilo que, junto ao marido, imprimiu à gestão da empresa - ela assumiu a presidência em outubro de 2012, quando o fundo americano Carlyle comprou 60% do capital da companhia. "Insisti em permanecer à frente dos negócios para evitar ruptura e definir o momento apropriado de fazer a transição."

Sob o comando de Ghislaine, inicia-se a expansão vigorosa que antecede a abertura do capital da empresa no mercado de ações. A tarefa exige a duplicação dos 120 mil m2 de loja atuais por meio da abertura de novas unidades em cidades do interior e ampliação das grandes existentes nas capitais.

A executiva atribui os resultados da rede de 38 lojas, que faturou R$ 1,1 bilhão no ano passado, ao casal. Ela faz questão de compartilhar os sonhos e os retornos obtidos com o marido, Regis, atualmente no conselho. Com ele, desenvolveu o espírito empreendedor - mais presente nas famílias do norte da França que no centro, região de tradição agrícola onde ela nasceu. Mas, em 2013, a missão de traduzir para o corpo gerencial a nova realidade que vive a Tok&Stok esteve sob seu comando.

A rotina espartana garante a disposição necessária. Ghislaine construiu uma vida social pacata, frequenta com moderação os concertos na Sala São Paulo e evita os jantares fora de casa. Não assiste à TV e dedica pouco tempo ao cinema e costuma ler antes de dormir. Aulas de pilates três vezes por semana são imperdíveis. "Eu me preparo para ter muita energia no trabalho." O café da manhã contempla farinha moída na hora com linhaça, chia e quinoa, e um ovo quente. Obtém, assim, uma mistura de nutrientes que a mantém ativa. Opta por peixe e salada ou legumes ao meio-dia.

"Gosto de tomar decisões, sou muito enfática nas minhas convicções e procuro orientar as pessoas"

A indispensável taça de vinho à noite segue o costume francês, mas os queijos foram praticamente abolidos do cardápio. Almoça aos sábados ou domingos com a família, formada por cinco filhos e cinco netos, e o restante do fim de semana dedica à empresa. Os problemas da administração da casa são definidos pela manhã e resolvidos pelo "motorista" que distribui tarefas entre os empregados e faz compras.

Às segundas-feiras, Ghislaine entrega uma pasta à secretária com a programação da semana e entra no escritório preparada para agir. "Gosto de tomar decisões, sou muito enfática nas minhas convicções e procuro orientar as pessoas." Compensa o risco de ser impulsiva com o farto conhecimento adquirido durante os 38 anos da Tok&Stok.

Ghislaine diz ter um poder de síntese aguçado, mas comanda a empresa sem descuidar de nada. "As mulheres são detalhistas e essa é a razão para 80% dos cargos de gerência das lojas serem preenchidos por elas." A empresa, contudo, não tem política de gênero e todos os funcionários são recompensados pelo desempenho.

Ghislaine lamenta que as mulheres ainda não tenham conquistado as áreas de domínio masculino, que entende serem mais desafiadoras. "Tanto na política como nos negócios, e até mesmo na culinária, as posições de destaque são dos homens. Há muito tempo as mulheres foram preparadas para cuidar da casa e ter um bom marido", diz. Ela conta que sempre quis ser uma mulher produtiva e, após três anos como mãe e quase dois de São Paulo, o marido a convidou para trabalhar na recém-inaugurada loja da Tok&Stok.

Sua primeira atribuição profissional foi procurar fornecedores de tecidos, de recheio de almofadas e de artesanatos brasileiros. A rede cresceu e os problemas aumentaram. "Os volumes presentes nos fluxos de documentos, de clientes, de funcionários e de estoques me geravam ansiedade. Estruturei controles rigorosos para acalmar a minha angústia frente a um varejo instável e volátil", conta.

 

 

Até recentemente, Ghislaine administrava também a parte da frente das lojas, a contratação de pessoas e a informática, enquanto o marido se dedicava às finanças, à relação com os fornecedores, à expansão e ao design. Para criar padrões, ela desenvolveu manuais que definiram processos, atribuições exigidas e comportamentos desejados para cada área e escalão da empresa. Até ser identificada como vice-presidente no organograma, Ghislaine definia-se como o braço direito do marido. "Era basicamente uma pessoa que resolvia problemas. Sou obstinada a chegar ao nível de excelência", diz.

A executiva atribui ao crescimento conservador e estruturado à capacidade da rede de atravessar todas as crises econômicas do Brasil e crescer. Foram muitas ações inovadoras. Em 2004, quando o mercado moveleiro mundial ainda evitava o comércio virtual, ela insistiu na abertura do novo canal de vendas. "Isso contribuiu para consolidar a nossa imagem de vanguarda." A internet responde atualmente por 5% das vendas. A tendência inovadora da executiva só é interrompida nas férias. Quando consegue viajar com a família, costuma voltar à estação de esqui de Courchevel, nos Alpes franceses. "Desligo totalmente, treino o meu esqui e melhoro minhas habilidades."

Os planos para o futuro incluem a volta aos estudos. Longe das ciências políticas, que definiram sua visão de mundo aos 20 anos, a executiva pretende procurar explicações para a evolução do universo na cosmologia. Sonha em abrir uma espécie de Casa do Saber e convidar cientistas para disseminar o conhecimento sobre as leis do universo. Só não sabe se o investimento será feito aqui ou na França. Caso o plano não saia do papel, tem uma segunda alternativa: tentará ser escritora.


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