Cresce a demanda por gestores de projetos e recursos em ONGs
19/03/2014 - por Por Letícia Arcoverde | De São Paulo

A ideia de que trabalhar no terceiro setor é fazer filantropia ou caridade ainda está presente na percepção que muitos têm da atuação em organizações sem fins lucrativos. A profissionalização da área ocorrida nos últimos anos, no entanto, mostra que hoje a realidade é outra. Ainda que a identificação com a causa seja essencial e a disposição para sacrifícios exista, o setor demanda profissionais com visão estratégica e de mercado, capazes de falar a mesma língua da iniciativa privada e de lidar com os aspectos financeiros do trabalho das organizações em diversas etapas do processo.

Se na última década a grande questão que permeava o perfil do trabalhador do terceiro setor era a profissionalização das organizações, hoje Marisa Ohashi, gerente administrativo-financeira do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), que reúne organizações de investimento social, vê desafios mais complexos. "Trabalhamos com equipes múltiplas em todos os níveis, vindas do setor social e da iniciativa privada, o que é um ganho muito grande", diz.

Para ela, as áreas de gestão de projetos e de recursos são algumas que se destacam atualmente na demanda por profissionais qualificados, com competências comuns aos dois mundos. Além de uma visão ampla de estratégia, é importante ter a capacidade de se adaptar ao ambiente das organizações não governamentais - onde a linguagem é diferente, a tomada de decisão é mais participativa e demorada, e o diálogo com os "stakeholders" envolve figuras distintas como o governo, empresas, organizações de classe e voluntários.

O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernando do Amaral Nogueira realizou no ano passado um estudo com cerca de 300 profissionais de ao menos 100 organizações membros do Gife com o intuito de traçar o perfil do profissional de investimento social privado no Brasil. "Descobrimos que é um setor muito diverso", diz.

Em comum, Nogueira viu formações em cursos da área de humanas aplicadas, como administração, comunicação e serviço social, sendo que uma maioria possui especialização em áreas tradicionais, como MBA ou recursos humanos, ou em cursos específicos de gestão social. Mulheres e jovens são predominantes e há em 77% a vontade de continuar investindo em educação. "Ainda há muito espaço para cursos dessas áreas", diz. A maior parte também atua em tempo integral com o investimento social, dado que ele estima que seria bastante diferente se apurado há dez anos.

Uma característica que surpreendeu Nogueira foi a preocupação desses profissionais em se mostrar, em primeiro lugar, capacitados - e avessos à visão tradicional de filantropia. Os termos "caridade" e "compaixão" foram os menos citados quando os participantes da pesquisa foram questionados sobre os princípios que devem guiar alguém que trabalha com investimento social. "Profissionalismo" e "competência técnica" foram os mais escolhidos, por 60%, e "comprometimento" foi citado por 46%. "Isso vem de uma aproximação do mundo social com o empresarial", afirma o professor.

"Cada vez mais é preciso um profissional de terceiro setor que atue no financeiro, no controle e que entenda de métricas", diz Graziella Comini, coordenadora do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats), da Universidade de São Paulo (USP). Se antes as ONGs achavam que aqueles vindos do mundo corporativo não entenderiam a realidade das organizações, hoje há interesse em incluir profissionais com capacidade de enxergar parcerias com o mercado. Para ela, isso torna a possibilidade de trabalhar no terceiro setor mais atraente não apenas ao fim da carreira, mas também no início ou no meio de um ciclo tradicional.

Marcela Paolino, que atua desde o início do ano no Instituto Ipê, de preservação de espécies ameaçadas, e Kátia Gama, que trabalha há cerca de um ano e meio na ONG austríaca Aldeias Infantis SOS Brasil, são dois exemplos diferentes desse movimento. A administradora Marcela trabalhou por 20 anos na área de finanças de empresas e chegou a ser gerente de planejamento financeiro de uma multinacional americana, até decidir sair da iniciativa privada em 2004 e fazer um MBA em negócios sociais em 2008. Hoje, ela é "controller" no Instituto Ipê, onde faz acompanhamento do orçamento e dá suporte à gestão financeira de coordenadores de projetos em todo o Brasil.

Para ela, a profissionalização das organizações sociais veio também em razão do crescimento delas. "A pessoa que monta a ONG tem um perfil visionário, mas não a cabeça do gestor, que entende de processo e coloca a casa em ordem", diz. O fator de motivação, no caso, é ter seu trabalho associado a uma causa. "Do ponto de vista financeiro, a diferença é brutal, então é preciso ter muita paixão", diz.

Já Kátia sempre atuou no terceiro setor, antes mesmo de fazer faculdade, no Projeto Aprendiz, onde foi aluna. Após se formar em publicidade e realizar cursos sobre a captação de recursos, continuou a atuar na área, em organizações como o Gife e a Fundação Abrinq. "A captação de recursos ainda está em desenvolvimento no Brasil. Aprendo muito no dia a dia e na relação com outros profissionais internacionais", diz. Como gerente de captação de recursos pessoa física na Aldeias Infantis, ela lidera uma equipe de três pessoas e trabalha com o acompanhamento e o planejamento estratégico dos mais de quatro mil doadores físicos que a ONG possui. Sua trajetória profissional, até hoje, foi guiada principalmente pela identificação com a causa infantil e educacional - ela diz que já recusou propostas para atuar em organizações diferentes porque não sentia proximidade com o trabalho feito. "Não há muita troca por questões salariais nesse setor", diz.

A figura do captador de recursos é, segundo Nogueira, da FGV, uma das que mais se profissionalizaram nos últimos anos. Criada em 1998, a Associação Brasileira de Captação de Recursos (ABCR) viu seus membros aumentarem de 50 para 670 associados entre 2010 e 2013. Para 2014, a meta do presidente da associação, João Paulo Vergueiro, é chegar a mil. Para ele, existe uma grande demanda nas organizações por profissionais qualificados, assim como espaço para o desenvolvimento de mais cursos sobre o assunto. Segundo o primeiro censo da associação, feito no ano passado, quase todos os membros têm ensino superior, e mais da metade, especialização.

"O crescimento desse mercado acompanhou um movimento de grandes ONGs internacionais que começaram a captar recursos no Brasil nos últimos anos", diz. O perfil é de um profissional com habilidades gerenciais e que entenda de planejamento e estratégia para tornar a organização sustentável no longo prazo, além de conhecimento das técnicas e fontes de captação, podendo, como fez Kátia, ser especialista em uma delas.

Captar e gerir melhor os recursos financeiros é o início de um ciclo que se desenvolve e termina na avaliação da influência que os programas sociais das organizações têm na sociedade. "As organizações foram obrigadas a buscar o impacto para entender como é o trabalho na ponta", diz Marisa, do Gife. A avaliação de impacto social será um dos eixos de discussão do congresso do grupo de 2014. Para ela, essa busca atinge hoje um nível de sofisticação maior.

A Fundação Itaú Social possui cursos de níveis distintos sobre o assunto que, segundo a superintendente Isabel Cristina Santana, receberam mais procura nos últimos cinco anos - e, em especial, no ano passado. A atenção crescente a essa parte do processo ilustra a visão de que o trabalho feito no terceiro setor está longe da antiga filantropia. "Se o foco é caridade, não precisa medir resultado. Mas, se é investimento social, é preciso saber qual é o retorno social", diz Isabel. Os treinamentos, desse modo, ensinam a avaliar aspectos intangíveis do impacto na sociedade, e não o retorno para os investidores.

Aliado a isso, cresce também a percepção de que os resultados dessas análises devem guiar o desenvolvimento de novos projetos. "Muitas vezes, na área social, o profissional não está preparado para tomar decisões com base nos resultados, mas em escolhas ideológicas", diz. Por isso, a Fundação tem organizado, desde o ano passado, encontros com profissionais de ONGs, de empresas e representantes do governo para a discussão da eficácia de programas sociais.



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