Nem talento nem QI bastam para fazer de alguém o máximo
18/03/2014 - por Por Marinete Veloso | Para o Valor, de São Paulo

O talento natural ou o quociente de inteligência (QI) alto não explicam sucessos futuros. É isso o que Robert Greene procura demonstrar em seu novo livro. Pessoas comuns, observa, podem ter acesso ao nível máximo de excelência, o que ele qualifica de "maestria". "O caminho para essa conquista é a aprendizagem, baseada em motivação e tempo."

Greene levanta a questão: "Se todos nascem com cérebros basicamente semelhantes, que apresentam mais ou menos a mesma configuração e o mesmo potencial à maestria, por que apenas alguns se sobressaem e realizam esse potencial? Como explicar que milhares de crianças se destaquem por suas habilidades e talentos excepcionais em alguma área, embora poucas acabem correspondendo às expectativas no futuro?

Existe no ser humano uma forma de poder e de inteligência que corresponde ao ápice do seu potencial, segundo Greene. Essa força em geral é efêmera: ocorre em momentos de tensão, diante de um prazo prestes a expirar, da necessidade urgente de resolver um problema, ou de crises de toda espécie. "Nesses momentos, as pessoas tornam-se inspiradas e criativas." Mas são apenas momentos. "Se para a maioria dos seres humanos essa sensação é experimentada por pouco tempo, para os grandes mestres é um estilo de vida, sua forma de ver o mundo."

O processo de aprendizagem que capacita as pessoas a atingirem esse objetivo passa por três etapas. A primeira é a da observação profunda. Greene a compara à iniciação ao piano ou a chegada a um novo emprego, quando é preciso desenvolver habilidades. "No começo, somos estranhos à nova realidade. No caso do teclado, parece intimidador. No novo emprego, desconhecemos as regras e procedimentos. Estamos inseguros, porque o conhecimento de que precisamos em ambos os casos ainda é inacessível." Essa primeira fase é de conduta passiva, de aprender regras básicas.

Com o passar do tempo, há uma evolução. Os conhecimentos se expandem. Entra a segunda fase: a da aquisição de habilidades. "Em vez de aprendermos com os outros, contribuímos com nosso próprio estilo e individualidade. Através de muita prática e imersão, ampliamos nossa compreensão do assunto. Adquirimos um novo poder, a capacidade de atuar criativamente."

Na terceira fase, da experimentação, "à medida que perseveramos no processo, entendemos tudo com absoluta clareza e aí se realiza o salto para a maestria. Assimilamos tão bem as regras, que agora podemos reescrevê-las ou transgredi-las". É o momento em que o artista capta algo que compõe a essência de sua arte, o cientista faz suas descobertas e o empreendedor criativo realiza algo que ninguém imaginara.

Nessa caminhada, necessariamente longa, é preciso não sucumbir à insegurança ou aos conflitos emocionais que dominarão o pensamento. Greene explica que, na trajetória da aprendizagem, o tempo é um ingrediente "mágico", que depende da área de atuação e do talento de cada pessoa. Sugere que, para dominar um tema, são necessárias, pelo menos, 10 mil horas; para ser mestre, 20 mil horas. Observa que cada época tende a criar seu próprio modelo de aprendizagem, mais adequado ao sistema de produção vigente. "Os dias de hoje são de grande complexidade. A tecnologia assumiu as tarefas fáceis e rotineiras, deixando para os humanos as mais difíceis, que exigem cada vez mais educação e treinamento. O futuro pertence a quem aprender mais habilidades e for capaz de combiná-las de forma criativa."

Greene explica que seu propósito ao escrever o livro foi inspirar as pessoas em seus processos de transformação de vida, de descoberta de sua missão ou vocação. Para isso, apresenta estratégias de observação e aprendizado, de cultivo da inteligência social e de como decifrar códigos de comportamento político. Trata das relações vocação-trabalho-dinheiro e de como reagir aos fracassos. Dedica especial atenção ao papel de um mentor. "A vida é curta e o tempo de aprendizado e criatividade é limitado. Sem uma competente orientação, você pode desperdiçar anos valiosos na tentativa de desenvolver conhecimentos e práticas." Mas destaca que é necessário avançar, e não ficar à sombra do mentor.

As ideias de seu livro basearam-se em ampla pesquisa no âmbito das ciências neurológicas e cognitivas, em estudos sobre criatividade, assim como na vida de grandes mestres da história, nos vários campos das artes e do conhecimento. Estão presentes biografias resumidas de Mozart, Leonardo da Vinci, Goethe, Martha Graham, John Coltrane, Glenn Gould, Einstein, Thomas Edison e Henry Ford, bem como de mestres atuais, como o neurocientista Vilayanur Ramachandran, o antropólogo e linguista Daniel Everett, o engenheiro de computação Santiago Calatrava, o piloto de caça da Força Aérea americana Cesar Rodriguez, entre muitos outros. Cada capítulo começa com a história de uma figura ilustre, que servirá de exemplo para os conceitos, análises e orientações que se seguem.

Para atingir a maestria em uma área, é indispensável sentir uma profunda conexão com ela, a ponto de transcendê-la, diz Greene. Para Einstein, não foi a física em si que o motivou, mas o fascínio pelas forças invisíveis que governam o universo. Para Coltrane, não foi a música, mas o poder de dar voz a emoções poderosas.

"Nossos atributos emocionais, como desejo, obstinação e confiança, contribuem muito mais para o sucesso do que nossa capacidade de raciocínio", diz Greene. E lembra que o primeiro passo será sempre introspectivo, como escreveu Píndaro, poeta da Grécia Antiga, cerca de 2.600 anos atrás: "Torna-te quem és aprendendo quem és".

"Maestria"

Robert Greene. Tradução: Afonso Celso da Cunha Serra. Sextante. 368 págs., R$ 39,90

 


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