A telemedicina no contexto da pandemia do COVID-19
27/04/2020

A vertiginosa evolução do cenário da pandemia do coronavírus tem modificado com grande celeridade o cenário da regulamentação da telemedicina no Brasil.

Após a declaração de emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN) por meio da Portaria do Ministério da Saúde nº 188, de 03.02.20, foi promulgada a Lei Federal nº 13.979, de 06.02.2020, que trata das medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, regulamentada pela Portaria do Ministério da Saúde nº 356, de 11.03.2020, que trata das medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Paralelamente, na quarta-feira, 18.03.2020, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou documento em que pedia atenção especial à saúde de médicos e equipes de atendimento, defendendo que “a força de trabalho nos hospitais, emergências e centros de saúde deve ser protegida, para aliviar a carga que recebem decorrente da superlotação dos serviços pela COVID 19, somada às demais patologias usualmente encaminhadas aos serviços.”

No dia seguinte, quinta-feira, 19.03.2020, o mesmo CFM encaminhou o ofício nº 1756/2020 – COJUR ao então Ministro de Estado de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reconhecendo a possibilidade e a eticidade da utilização dos recursos da telemedicina em caráter excepcional e enquanto durar o combate ao contágio do COVID-19, nas modalidades de teleorientação, para que profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento; telemonitoramento, ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença e; teleinterconsulta, exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.

Em 20.03.2020, foi a vez do Ministério da Saúde, por meio da Portaria n.º 467, publicada em 23.03.2020, dispor, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da citada Lei nº 13.979, decorrente da epidemia de COVID-19. O objetivo expresso da norma é reduzir a propagação do COVID-19 e proteger as pessoas.

Naquele documento, foi autorizado que as ações de telemedicina de interação à distância contemplem o atendimento exclusivamente médico pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada.

Foi ressaltado que a tecnologia da informação e comunicação utilizada para esses atendimentos deve garantir a integridade, segurança e o sigilo das informações, bem como que os médicos, nesses atendimentos, deverão atender aos preceitos éticos de beneficência, não-maleficência, sigilo das informações e autonomia.

Como não houve especificação da forma, veículos ou programas específicos para a realização dos atendimentos, entendemos que deve ser utilizada a ferramenta mais conveniente para o paciente e o médico ou para a instituição de saúde em nome da qual o médico esteja prestando atendimento, desde que disponha de tecnologia apta a garantir a plena segurança dos dados médicos e de identificação dos pacientes.

Conta ainda que o atendimento realizado por médico ao paciente por meio de tecnologia da informação e comunicação não dispensa os devidos registros em prontuário clínico, incluindo dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido em cada contato com o paciente; data, hora, tecnologia da informação e comunicação utilizada para o atendimento; e número do Conselho Regional Profissional e sua unidade da federação.

Permitiu-se ainda a emissão de atestados ou receitas médicas em meio eletrônico, as quais terão sua validade condicionada à observância dos requisitos previstos em atos da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil; o uso de dados associados à assinatura do médico de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser detectável; ou atendimento dos seguintes requisitos:

a) identificação do médico;

b) associação ou anexo de dados em formato eletrônico pelo médico; e

c) ser admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.

Por sua vez, o atestado médico deverá conter, no mínimo, a identificação do médico, incluindo nome e CRM; identificação e dados do paciente; registro de data e hora; e duração do atestado.

Caso haja determinação de medida de isolamento pelo médico, prevê a portaria ainda que o paciente deverá enviar o termo de consentimento livre e esclarecido de que trata o § 4º do art. 3º da Portaria nº 356/GM/MS, 11 de março de 2020.

Quanto ao receituário médico, a ANVISA, por meio da Resolução de Diretoria Colegiada nº 357, de 24.03.2020, deferiu o pedido formulado pelo Conselho Federal de Medicina para que fossem estendidos, temporariamente, as quantidades máximas de medicamentos sujeitos a controle especial permitidas em Notificações de Receita e Receitas de Controle Especial, bem como a entrega remota definida por programa público específico e a entrega em domicílio de medicamentos sujeitos a controle especial, em virtude da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional relacionada ao coronavírus.

Por fim, ainda quanto ao tema da telemedicina, na quinta-feira, 16.04.2020, foi publicada a Lei nº 13.989/2020, a qual dispõe sobre o uso excepcional e temporário desse recurso apenas durante a crise causada pelo coronavírus.

Em síntese, a lei exemplifica como telemedicina, no seu art. 3º, o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde, ficando encarregado o médico de informar ao paciente todas as limitações inerentes ao uso do recurso, tendo em vista a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta.

No mais, reiterando a previsão da Portaria n.º 467 do Ministério da Saúde, a lei estabelece que a telemedicina está sujeita aos mesmos padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, acrescentando a possibilidade de contraprestação financeira, que não estava expressa na portaria.

Há a ressalva, contudo, de que não cabe ao poder público custear ou pagar por tais atividades quando não for exclusivamente serviço prestado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Observa-se que foram vetados dois dispositivos do texto proposto pelo Poder Legislativo: o parágrafo único do art. 2º e o artigo 6º.

Originalmente, parágrafo único do art. 2º dispunha que seriam válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital desde que possuíssem assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada a sua apresentação em meio físico.

Por meio do despacho presidencial, é possível observar que a razão do veto ao parágrafo único do art. 2º é a de que a previsão ofenderia o interesse público e geraria risco sanitário à população por equiparar a validade e autenticidade de um documento digitalizado e de fácil adulteração ao documento eletrônico com assinatura digital com certificados ICP-Brasil, como meio hábil para a prescrição de receitas de controle.

Por seu turno, o artigo 6º dispunha sobre a competência do Conselho Federal de Medicina para regulamentar a telemedicina após o período da pandemia pelo COVID-19.

Nas razões do veto presidencial consta que a regulação das atividades médicas por meio da telemedicina após o fim da atual pandemia deve ser regulada, ao menos em termos gerais, em lei, por força do art. 5º, incisos II e XIII, da Constituição.

Apesar de nenhum dos diplomas normativos citados ter sido expresso quanto a este ponto, entendemos que os atendimentos remotos podem ser realizados também para questões de saúde que não se relacionem com o coronavírus. Isso porque o fundamento para a permissão do uso da telemedicina é contribuir para o combate do contágio do COVID-19 por meio do isolamento social bem como a necessidade de proteger a saúde dos médicos e dos pacientes.

Nesse contexto, a telemedicina pode atuar como importante ferramenta para evitar a ida de pacientes acometidos por outros males que não o coronavírus aos prontos-socorros de hospitais, bem como permitir aos médicos, mesmo que não diretamente envolvidos no atendimento hospitalar às vítimas do coronavírus, atender virtualmente seus pacientes sem que, tanto eles quanto seus pacientes, precisem se deslocar aos consultórios.

Nesse contexto da pandemia, portanto, a telemedicina se tornou uma necessidade pública, porque o atendimento médico à distância contribui de forma significativa para a realização da assistência médica aos pacientes cujo quadro de saúde permita a sua avaliação remota sem expor os profissionais da saúde, familiares e pessoas próximas ao doente e a sociedade em geral ao incremento do risco de contágio pela maior circulação de pessoas infectadas. 

Sobre a autora

Bianca Maria de Souza Macedo Pires é sócia do escritório Villemor Amaral.





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