Na última segunda-feira (30/03/2020), o jornal Valor Econômico publicou matéria apontando a redução de custos nas Operadoras de Saúde em virtude da redução dos procedimentos eletivos, indicando um possível benefício econômico para os planos com tal cenário. As “primeiras impressões” citadas não são somente precipitadas como também equivocadas pela restrição temporal, com uma clara limitação e simplificação da crise epidemiológica, sem sequer lançar luzes sobre os drásticos efeitos econômicos decorrentes.
Os efeitos decorrentes dos adiamentos dos procedimentos eletivos, possuem apenas um fôlego momentâneo. Na 6ª Reunião Extraordinária de Diretoria Colegiada ANS, realizada em 31 de março de 2020, os diretores voltaram a reforçar que não permitirão a suspensão dos procedimentos e atendimentos, e intensificarão a fiscalização para evitar abusos. O que houve, na verdade, foi a duplicação dos prazos da RN 259 para a garantia de atendimento.
Ocorre obviamente que nenhuma pessoa saudável optará por frequentar ambientes hospitalares e com pequenas aglomerações neste momento. Entretanto, toda a demanda eletiva será atendida nos períodos subsequentes a este surto. Afinal, todos os procedimentos precisarão ser realizados. As cirurgias, por exemplo, de desvio de septo, amídalas e hérnias não serão esquecidas.
Portanto, trata-se apenas de um adiamento pontual dos custos que serão acrescidos aos custos dos meses posteriores. De toda forma, este nem é o principal problema e assunto que merece maior atenção. Os prejuízos econômicos virão da crise assistencial e econômica. Por isso, vale refletir sobre os principais impactos potenciais:
I – Percentual de idosos na carteira
As operadoras possuem a mesma proporção de idosos da população brasileira. As operadoras possuem cerca de 14% de idosos (acima de 60 anos). Este grupo, que representa um dos principais grupos de risco, é composto por 6.582.839 beneficiários (ANS, Dez/2019). Representa praticamente a mesma proporção da população brasileira (13,8%). Portanto, não é correto afirmar que a população dos planos é mais jovem. Até ontem (01/04/2020), este grupo representava 89% dos óbitos no Brasil (Coletiva, Ministério da Saúde de 01/04/2020).
II – Esgotamento de leitos de internação
As Operadoras poderão passar por um esgotamento dos leitos de internação. A demanda de leitos de UTI causada pelo COVID-19 tem potencial para esgotar toda a oferta de leitos públicos e privados. Já apresentamos um estudo detalhado por região, no qual verificamos que com apenas 20% da população infectada em um curto prazo, não há suporte de estrutura para atender a demanda. Ou seja, os hospitais poderão ficar super lotados com elevados custos com internações para as Operadoras. Inclusive diversos hospitais de campanha estão sendo construídos tanto em rede pública quanto privada;
III – Maior taxa de internação
As taxas de internações do COVID-19 são maiores e serão acrescentadas às taxas de internações atuais. Os dados do CDC-COVID-19 informam que as taxas de internações estimadas são de 20% do público infectado, sendo 5% dos infectados alocados em leitos de UTI, com tempo médio entre 14 e 21 dias (cerca de cinco vezes mais tempo do que a média geral). A título da comparação, a taxa de internação média do setor é de cerca de 17,2% (ANS, 2018) do total de beneficiários por ano. Os dados do observatório da ANAHP de 2019 indicam que o prazo médio de internações de 4,13 dias em seus hospitais. Ou seja, a COVID-19 tem potencial para gerar muito mais internações (com taxa e prazo maiores). Sabendo que a maior parte da população será infectada no médio e longo prazo, as internações do COVID-19 serão acrescentadas ao cenário padrão de internações;
IV – Crescimento da inadimplência do setor
A inadimplência vai aumentar e gerar prejuízos às Operadoras. A margem de lucro líquido das Operadoras em 2018 foi de apenas 4,4% (XVI Finance, com base nos dados da ANS 2018). Portanto um crescimento na inadimplência de apenas 5%, por exemplo, seria suficiente para gerar prejuízos às Operadoras. Além disso, diversas iniciativas estão sendo conduzidas para impedir o aumento do plano de saúde e a suspensão dos usuários inadimplentes durante o período de pandemia, tal como o projeto de Lei 846/2020. Portanto, seria bastante razoável projetar inadimplência muito superior a este patamar. Sabendo que os trabalhadores informais perdem suas fontes de renda e, considerando que 81% dos planos de saúde são coletivos e empresariais, o efeito da crise econômica poderá ser devastador sobre os resultados e liquidez das Operadoras de Saúde já nos próximos 90 a 120 dias;
V – Aumento do desemprego
O desemprego reduzirá as receitas das Operadoras. A perda de postos de trabalho é um reflexo real decorrente da crise no mundo todo. No Brasil, o desemprego já havia crescido em fevereiro para 11,6% atingindo 12,6 milhões de pessoas (PNAD de 31 de Março 2020). A XP Investimentos, por exemplo, chegou a projetar 40 milhões de desempregado no Brasil (UOL, Mar/2020). Além do efeito da inadimplência, o desemprego irá reduzir o tamanho do setor e as receitas das operadoras. Em setembro do ano passado, a XVI Finance mostrou como a crise de desemprego iniciada em 2015 impactou o setor.
VI – Ampliação do risco e sinistralidade das carteiras
Em cenários de crise, saem os jovens e saudáveis, mas ficam os beneficiários idosos e doentes nos planos de saúde. Com a perda da renda da população e com o desemprego, as famílias se sacrificam para pagar os planos de saúde dos mais necessitados, tais como idosos e doentes. Portanto, o efeito de redução do número de vidas do setor, reduz a pulverização da carteira de clientes, ampliando em muito o risco e a sinistralidade das Operadora.
VII – Aumento da judicialização
É também provável o aumento da judicialização. Com a perda do emprego e da renda, espera-se o aumento da recorrência judicial para garantir a conclusão de tratamentos e atendimentos aos beneficiários mais necessitados, ampliando custos com multas e sinistros sem a contrapartida de receita.
Na economia e na saúde, não haverá vencedores com a pandemia. Todos se agarrarão às medidas emergenciais e de austeridade, planos de contingência e decisões de sobrevivência. Que prevaleçam o bom senso e a solidariedade.
Sobre o autor
Prof. Dr. Adriel Branco é Diretor de Negócios da XVI Finance – Doutor, Mestre e Graduado em Administração e em Ciências Contábeis pela FEA-RP/USP, Professor nos MBA da USP de Ribeirão Preto, especialista em finanças e consultor de Operadoras de Saúde em Gestão, Estruturação Financeira e desenvolvimento de Projetos de Investimentos.