Fundada há mais de 450 anos, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo vive uma acirrada eleição para a presidência da entidade que movimentou R$ 1,2 bilhão no ano passado. Na disputa, estão o atual presidente, o advogado Kalil Rocha Abdalla que tenta o seu terceiro mandato, e o médico José Luiz Setúbal - da família fundadora do Itaú, presidente do conselho do Hospital Infantil Sabará e também conselheiro da Santa Casa.
Na oposição, Setúbal chega com propostas que prometem uma profunda reestruturação no maior complexo hospitalar filantrópico do país, responsável por 3,5 milhões de atendimentos por ano. O principal pilar de seu plano é a profissionalização da gestão baseada em metodologias como meritocracia e governança - práticas ainda pouco comuns em boa parte das instituições beneficentes de saúde e que pode gerar resistência da atual equipe.
Se eleito, Setúbal vai atuar em parceria com uma consultoria, com grandes chances de ser a McKinsey. "Sou médico e conheço um pouco de administração, mas sei das minhas limitações. Por isso, é essencial trabalhar com uma assessoria internacional", disse Setúbal. A McKinsey já fez, inclusive, uma análise prévia. "Serão cinco semanas de diagnóstico, cinco semanas de planejamento e de dois a seis meses para implementar um plano de ação. Acreditamos que um dos grandes problemas da atual gestão são os métodos ultrapassados e a falta de instrumentos modernos de gestão", diz Setúbal. Abdalla não poupa críticas. Afirma que Setúbal quer transformar a Santa Casa em um banco.
É a primeira vez que a Santa Casa assiste a uma eleição tão concorrida. Em toda sua história, é a segunda vez em que há duas chapas inscritas. A primeira vez foi em 2008, quando o ortopedista Domingos Quirino Ferreira Neto tentou se reeleger ao cargo de provedor - como é chamado o posto máximo na Santa Casa. Porém, na época, Ferreira Neto já tinha 90 anos e devido à idade muitos optaram por votar em Abdalla que, atualmente, tem 72 anos.
O ineditismo não para por aí. Em paralelo à Santa Casa, Abdalla também concorre à presidência do São Paulo Futebol Clube, que há oito anos é liderado por Juvenal Juvêncio, que lançou o nome de Carlos Miguel Aidar (presidente do time de futebol nos anos 1980) para substituí-lo. Questionado sobre qual eleição será a mais difícil, Abdalla respondeu sem pestanejar que será a do São Paulo.
Oponentes, o advogado Abdalla e o médico Setúbal têm um ponto em comum. Ambos torcem para o São Paulo Futebol Clube.
O provedor eleito da Santa Casa de São Paulo não terá uma missão simples. Desde 2009 a entidade registra déficit e em 2011 quase fechou as portas do pronto-socorro. Em 2012, a Santa Casa teve resultado negativo de R$ 35,5 milhões e acumulava endividamento de R$ 325 milhões. Os dados do ano passado ainda não foram totalmente fechados, mas há expectativa de melhora nos resultados porque houve um aumento no volume de repasses feito pelos governos federal, estadual e municipal.
Abdalla, que preside a entidade desde 2008, culpa o Sistema Único de Saúde (SUS) que remunera com defasagem os procedimentos médicos. "A tabela do SUS não tem reajuste há 10 anos", diz o atual provedor da Santa Casa de São Paulo. Do orçamento de R$ 1,2 bilhão contabilizado no ano passado, os repasses do SUS representaram 40%. Trata-se de um aumento expressivo se comparado a 2012 e 2011, quando a participação do SUS foi de 25% e 30%, respectivamente. Mas passado o período das eleições não há certeza se esse volume de repasses será mantido para equilibrar as contas.
Para compensar as perdas do SUS a Santa Casa conta com o hospital privado Santa Isabel, que reverte seus ganhos para o hospital. No ano passado, o Santa Isabel registrou receita bruta de R$ 116 milhões. Em suas duas gestões Kalil construiu a segunda unidade do Santa Isabel e um novo prédio para a Faculdade de Medicina.
Outra fonte de receita da Santa Casa de São Paulo são os imóveis recebidos como doação. A entidade conta com cerca de 700 contratos de locação de imóveis residenciais e comerciais como, por exemplo, o prédio que já foi ocupado pelo Mappin, no centro de São Paulo. No ano passado, a receita de aluguéis somou R$ 28 milhões, o que representa 2,2% da receita total. "Trocamos alguns imóveis por outros em regiões em que estamos instalados", afirmou Abdalla. A Santa Casa também recebe doações de pessoas físicas, mas o valor é pequeno. Foram R$ 9,4 milhões em 2013, o equivalente a 0,74% da receita total.
"Não temos acesso detalhado aos números do patrimônio imobiliário. Por isso não é possível dizer com certeza a origem do déficit", diz Setúbal.
Além do hospital central, a Santa Casa de São Paulo administra outros 39 unidades entre hospitais, pronto socorro, unidades básicas de saúde e centros médicos públicos em parceria com o governo. São contratos pré-estabelecidos em que o governo paga para uma Organização Social de Saúde (OSS) - no caso, uma OSS criada pela Santa Casa - gerenciar uma instituição de saúde. Setúbal desconfia, pois não tem acesso aos números, que a OSS da Santa Casa dê prejuízo, o que seria mais um sinal de má gestão. Abdalla nega que as OSS deem prejuízo.
Setúbal foi convidado a compor uma chapa de oposição no fim de 2012, após uma série de desentendimentos com o atual provedor. Mas levou quase um ano para decidir se aceitaria a empreitada. "O hospital [Sabará] tornou-se uma fundação em 2010 e ainda havia uma série de demandas e eu não podia sair. Em setembro do ano passado, o Sabará já apresentava bons resultados e vi que era possível me desligar", explica.
Médico formado pela Faculdade da Santa Casa, Setúbal é herdeiro do Itaú, mas ele destaca que uma de suas pré-condições para se candidatar ao cargo foi que o banco não cobriria os déficits da Santa Casa de São Paulo. Entre 2005 e 2010, Setúbal fez várias doações à Faculdade da Santa Casa (como pessoa física) destinadas para informatizar a biblioteca, programas de intercâmbio para iniciação científica, entre outros projetos. As doações cessaram há quatro anos, quando ele criou o Instituto Pensi, que incentiva pesquisas na área da pediatria. Entre os planos de Setúbal também está a administração em conjunto do complexo hospitalar e da faculdade de Medicina, que atualmente é gerenciada separadamente.
A eleição para o comando da Santa Casa de São Paulo está marcada para 16 de abril e há quem diga que o São Paulo Futebol Clube pode marcar sua eleição para a mesma data.
Leia mais em: