TCU analisará contrato de médicos com Cuba
13/02/2014 - por Por Ribamar Oliveira

Não é apenas o Ministério Público do Trabalho (MPT) que investiga a contratação dos médicos cubanos participantes do programa Mais Médicos. Ontem, o ministro José Jorge, do Tribunal de Contas da União (TCU), propôs que seja solicitada à área técnica do órgão uma análise do contrato firmado por esses profissionais com o governo cubano. O documento a ser avaliado é denominado "Contrato Individual para la Prestación de Servicios Profesionales y Tecnicos en el Exterior". A proposta de José Jorge foi aprovada pelo plenário do Tribunal.

Em dezembro do ano passado, o plenário do TCU já tinha votado uma proposta de José Jorge para que a área técnica do órgão tomasse conhecimento do teor do acordo firmado entre a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o governo de Cuba. A Opas é que faz a intermediação na contratação dos médicos cubanos. A sugestão não foi acolhida, pois a maioria dos membros do Tribunal entendeu que a Opas tem imunidade de jurisdição.

Quando a médica cubana Ramona Matos Rodrigues abandonou o Mais Médicos, o seu contrato com o governo cubano veio a público. Agora, o ministro José Jorge quer que ele seja analisado pelo Tribunal. A intenção do ministro não é examinar as questões trabalhistas, pois esta tarefa já está a cargo do MPT. Ele quer que o TCU avalie "a regular aplicação dos recursos federais envolvidos" na operação. Ele se refere à grande diferença entre o valor repassado ao governo cubano (R$ 10 mil por médico), por meio da Opas, e a remuneração dos profissionais. A médica Ramona disse que recebia US$ 400 aqui e US$ 600 seriam depositados em seu nome em Cuba, o que daria um total pouco superior a R$ 2,4 mil. Jorge observou que não se sabe as razões para essa diferença, o que "afronta a desejada transparência na utilização de verbas federais".

Objetivo é saber por que cubanos recebem tão pouco

O governo está inteiramente correto ao buscar médicos para atender às populações de áreas pobres ou isoladas. A Constituição estabelece que a saúde é um direito de todos os brasileiros. Por isso, é indispensável que a assistência médico-hospitalar esteja disponível a todos os cidadãos. Mas é difícil entender por que o governo brasileiro optou pela forma de contratação de médicos prevista na Medida Provisória 621, de 2013, que criou o programa. Essa MP foi convertida na Lei 12.871.

Aquele médico cubano que você por acaso já viu atender pessoas nas cidades mais carentes está, formalmente, fazendo um curso de especialização no Brasil. Ao contrário do que muita gente pensa, ele não foi contratado pelo governo brasileiro para substituir os profissionais brasileiros que não querem ir para as áreas mais pobres do País, que não possuem infraestrutura hospitalar e pagam mal. Ou seja, ele não foi contratado para prestar serviços médicos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

O atendimento que ele presta aos doentes é uma extensão do seu curso, que deve ter atividades de ensino e pesquisa. A Lei 12.871 diz, textualmente, que "o aperfeiçoamento dos médicos participantes ocorrerá mediante oferta de curso de especialização por instituição pública de educação superior e envolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terão componente assistencial mediante integração ensino-serviço".

Como é um curso de especialização, o projeto não paga salário aos seus participantes, mas bolsa. O título da remuneração recebida pelos médicos, de acordo com a lei, diz tudo: "bolsa-formação". Em relatório feito em dezembro, a área técnica do TCU observou que a relação entre os médicos e a União é uma relação de aprendizado, não de emprego, motivo pelo qual a bolsa não está sujeita ao recolhimento de Imposto de Renda, já que não representa acréscimo patrimonial. Por não prestarem serviços ao SUS, os médicos não têm qualquer vínculo empregatício com o Ministério da Saúde.

Resta saber como são ministrados os cursos, como os médicos, que atendem os pacientes durante 40 horas por semana, encontram tempo para receber os ensinamentos e como são feitos o acompanhamento e a avaliação desses profissionais. A médica Ramona disse que trabalhava das 8 horas às 17 horas, de segunda a sexta-feira, com intervalo para o almoço, e somente algumas semanas antes de se desligar do programa fez um curso de aperfeiçoamento pela internet, nas sextas-feiras.

A Lei 12.871 estabeleceu o valor da bolsa-formação em R$ 10 mil por mês, além de ajuda de custo para que os médicos se instalem nos locais para onde são enviados. Como os médicos cubanos recebem bem menos do que os demais, a área técnica do TCU considerou, em seu relatório de dezembro, que esse tratamento diferenciado pode afrontar o disposto no art. 5º da Constituição, segundo o qual todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Os técnicos do TCU chamaram a atenção também para o repasse antecipado de R$ 510,9 milhões para a Opas, em novembro, a título de pagamento de 4.000 bolsas para médicos cubanos e três ajudas de custo, entre outras despesas. "Não há nos presentes autos justificativa para o repasse antecipado dos recursos à Opas- OMS ", disseram. Eles consideram a possibilidade de que essa forma de antecipação fira a Lei nº 4.320/1964. A área técnica não viu justificativa também para a contratação de 20 assessores internacionais, com remuneração de R$ 25 mil por mês, e de 20 consultorias especializadas, com estimativa de gasto de R$ 8 mil por mês.

No dia 10 de dezembro de 2013, os ministros do TCU aprovaram acórdão determinando que os ministros da Saúde e do Planejamento adotem medidas para incluir o programa Mais Médicos no Plano Plurianual (PPA), inserir rubrica orçamentária específica na Lei Orçamentária Anual para abrigar os recursos do programa e apresentem justificativas para a realização de pagamentos semestrais antecipados à Opas Pediram ainda que os ministros apresentem justificativas para a contratação dos 20 assessores internacionais e das 20 consultorias especializadas, devendo ser detalhadas as atribuições desses profissionais.

Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br

 


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