Um velho problema voltou, com força, para atrapalhar ainda mais o Banco Central na gestão da política monetária. O trio política fiscal expansionista, atividade interna muito fraca e mercado externo em turbulência ganhou a companhia de novos e crescentes aumentos nos preços para cortar cabelo, fazer uma refeição fora de casa ou levar o cachorro ao pet shop.
Desde o início do processo de aumento dos juros - que passaram de 7,25% ao ano, em abril passado, para 10,5% em janeiro - os preços livres (sensíveis a questões de mercado) cederam de 8,1% em 12 meses para 7,3% no fim de 2013, mas a inflação de serviços subiu e reforçou o debate sobre a eficácia da política monetária sobre esse conjunto de preços, que consome pouco mais de 35% das despesas familiares, segundo a ponderação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O grupo, que reúne preços como empregado doméstico, aluguel e cabeleireiro, respondeu por 55% do avanço dos preços livres no ano passado, segundo cálculos da LCA Consultores, ao registrar alta de 8,73% - nível praticamente idêntico ao observado em 2012, de 8,75%. Após perderem fôlego até abril, quando chegaram a marcar 8,1%, os serviços voltaram a subir, exatamente no período em que o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou os juros.
Para economistas consultados pelo Valor, a inércia, o mercado de trabalho aquecido e regras de indexação como a do salário mínimo (reajustado pela inflação do ano anterior, mais o crescimento econômico de dois anos antes) acabam pesando mais sobre os repasses nesse segmento. Na avaliação deles, a política monetária não perdeu eficácia: além da defasagem para que os juros atinjam seu efeito máximo sobre a demanda, o ciclo de aperto partiu de patamar muito baixo e, atualmente, está "sozinho" na tarefa de controlar a inflação, dado que a política fiscal segue expansionista.
"O setor de serviços tem pressões estruturais sobre as quais a política monetária age pouco", diz Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, referindo-se à mudança da estrutura social do Brasil ocorrida na última década. Para explicar os altos repasses em serviços, Cunha resume esse movimento como um deslocamento na curva de oferta e demanda: com o aumento do emprego formal, pessoas que antes trabalhavam sem registro em carteira conseguiram outra ocupação e, ganhando melhor, passaram a consumir mais serviços.
Embora esse processo esteja em acomodação, o economista da PUC avalia que o nível de desemprego ainda baixo - mesmo considerando-se a taxa de 7,4% no segundo trimestre de 2013 em cerca de 3,5 mil municípios, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE - e a regra de reajuste do mínimo devem manter a inflação dos serviços acima da meta inflacionária, de 6,5%. Somente um crescimento forte do desemprego reverteria a situação, afirma Cunha, o que, diz, não é cogitado nem pela oposição como forma de combate à inflação.
Por ser muito heterogêneo, aponta Fernando Cardim de Carvalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é impossível que o setor de serviços seja coberto por uma política global, exceto em casos extremos - quando se gera uma recessão, por exemplo, que atinja "quase todos os vendedores de serviços, de médicos a mecânicos ".
O professor da UFRJ lembra que grande parte dos serviços não sofre competição externa e, muitas vezes, mesmo concorrentes com preços mais atrativos no mercado doméstico são insuficientes para conter repasses, porque os consumidores são mais atraídos pela reputação dos serviços prestados. Para Cardim, o meio mais eficaz de controlar a dinâmica de preços dos serviços é através da atividade, mas levaria tempo para que um esfriamento da economia resultasse em inflação menor.
Para Salomão Quadros, superintendente-adjunto de inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a política monetária é eficaz no controle dos preços de serviços. Como exemplo, Quadros cita que em 2009, por efeito da crise, a taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas avançou para mais de 8%, enquanto a inflação de serviços ficou em torno de 5,5% ao ano. Hoje, esses números se inverteram.
Segundo Quadros, é muito difícil que os serviços desacelerem num cenário de redução contínua da desocupação e correções acima da inflação do salário mínimo. Para que o ônus do combate à inflação não recaia totalmente sobre os juros, o economista da FGV defende uma revisão na regra de aumento do piso nacional como parte de um programa de ajuste fiscal.
Em estudo, o economista-chefe da MCM Consultores, Fernando Genta, concluiu que a elevada inflação dos serviços pode ser atribuída principalmente à inércia inflacionária e à desancoragem das expectativas. Ao contrário do que se poderia esperar, o salário mínimo não teve papel preponderante. Genta explica que, com o aquecimento do mercado de trabalho, a proporção de trabalhadores cujos rendimentos são afetados pelo piso nacional tem diminuído.
De acordo com o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe), Rafael Costa Lima, não existem evidências de que os juros não têm resultado sobre a inflação dos serviços, tampouco sobre os preços em geral. O fato, diz Lima, é que a taxa de juros de 7,25%, de onde o ciclo de aperto monetário partiu, era baixa, considerando a média histórica dos juros da economia brasileira e o viés expansionista da política fiscal atual.
Genta, da MCM, estima que a taxa de juro real da economia brasileira está entre 4,5% e 5,5%. A alta ocorrida desde abril na Selic, segundo ele, somente inverteu o caráter expansionista da política monetária, sem ter promovido aperto capaz de levar a inflação a convergir ao centro da meta.
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