Regulação do marketing multinível
11/02/2014 - por Por Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Gabriel H.F.Villareal

O marketing multinível (MMN) tem gerado grandes debates econômicos e jurídicos. O MMN é um modelo comercial pelo qual uma empresa recruta empreendedores independentes para operacionalizar a distribuição de seus bens e/ou serviços, remunerados pela tanto por tais vendas quanto pelo recrutamento de novos participantes (bônus ou comissionamento).

O MMN tem formatação própria e distinta da prática da chamada pirâmide financeira, tida como ilícita. Em virtude do uso de mecanismos semelhantes de construção de rede, premiação de participantes, bonificações e utilização de sistema de binário, verifica-se um limite muito estreito e nebuloso entre o lícito e o ilícito nas diversas apresentações e modelos de MMN.

Acontecimentos de 2013 (casos Telexfree, Blackdever, Multiclick, Priples, Bbom, Toyota Autocenter, Mister Colibri, Nnex, dentre outros) criaram um cenário de tamanha instabilidade a ponto de exigir uma reflexão aprofundada sobre essas práticas e, mais ainda, resta clara a necessidade de uma regulação clara para proteger as empresas do segmento e seus participantes e que, por outro lado, defina corretamente quais os limites entre o lícito e o delito.

Toda iniciativa de regulamentação deve passar pela criação de conceitos claros e concretos sobre o que é pirâmide financeira

Nos sistemas de vendas ao consumidor temos basicamente dois sistemas de bonificação/compensação, sendo um o Mononível, no qual o revendedor simplesmente compra o produto e o revende com sua margem de lucro, não havendo pagamento feito pela empresa representada nem a formação de rede pelos revendedores. O outro, conhecido como Multinível, no qual, além da venda propriamente dita (conceito de Mononível), a empresa representada paga uma remuneração ao revendedor que efetuar indicação de outros revendedores, possibilitando ao revendedor a criação de rede e bonificando-o sobre as vendas realizadas por seus integrantes. Em ambos os casos, não existe relação de emprego com as empresas de vendas diretas (representadas). Porém, mesmo diante de um conceito já difundido mundialmente, o Brasil ainda não possui um marco legal que estabeleça critérios claros e seguros para os participantes das redes de MMN.

Dentro de tal realidade, uma série de iniciativas legislativas surgiram. Lembramos que a Constituição Federal assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica (independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, respeitados, ainda, os princípios econômicos constitucionais (art. 170).

O Projeto de Lei nº 6.667, de 2013, pretende regulamentar o marketing multinível e estabelecer normas de proteção aos empreendedores. A justificativa aponta a necessidade de disciplinar esse mercado, para coibir abusos e fraudes, oferecendo segurança jurídica aos envolvidos. O destaque do PL é a obrigatoriedade de apresentação de plano de viabilidade econômico-financeira endossado por banco comercial, e a criação de um fundo garantidor composto pelo aporte de 1% das receitas das empresas de MMN.

O PL nº 6.775, de 2013, por sua vez, fixa requisitos para funcionamento das empresas brasileiras e estrangeiras no território nacional, além de outras questões, como a tipificação da pirâmide financeira e condutas equivalentes nas leis de crimes contra a ordem econômica e contra o sistema financeiro nacional. Em novembro, o Projeto foi apensado ao PL 6.667.

O PL nº 6.206 também de 2013, acrescenta o § 2º ao art. 2º da Lei nº 1.521, de 1951, que altera dispositivos da legislação sobre crimes contra a economia popular, especificando que o MMN não é crime dessa natureza. O projeto aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) e teve apensado, o PL nº 6.731, de 2013, que acrescenta dispositivo à Lei nº 8.137/1990, definindo como crime contra a ordem tributária e econômica a participação em pirâmide financeira.

O PL nº 6.170, de 2013, regulamenta as atividades de operador de MMN no Brasil. Esta proposição está com tramitação ordinária, e desde setembro do ano passado foi submetido a diversas Comissões da Câmara dos Deputados.

Lembramos que o Código Penal em parte já oferece proteção aos participantes de operações comerciais desta natureza, penalizando fraudes ou vantagens ilícitas (art. 171), o que pode levar a incluir entre tais práticas os sistemas piramidais ou correntes, se comprovado que o idealizador do negócio obteve vantagem ilícita, em prejuízo alheio, nos termos da lei.

Questões envolvendo pirâmides financeiras - atividade considerada crime contra a economia popular e proibida no Brasil pela Lei nº 1.521/1951 - já foram objeto de dois pontuais trabalhos de órgãos públicos brasileiros: Nota Técnica SEAE-MF 60, de 16/5/2013, que avalia as "pirâmides financeiras", com um paralelo destas com o conhecido esquema de Ponzi e com o MMN; e ainda Nota Técnica SNC-MF 116, de 3/7/2013, que analisa as operações financeiras denominadas pirâmides financeiras, esquema de Ponzi, operações de captação antecipada de poupança popular e o MMN.

A nosso ver, toda iniciativa de regulamentação do MMN deve passar pela criação de conceitos claros e concretos sobre o que é uma pirâmide financeira. Somente com os conceitos determinados em lei é que será possível criar um marco regulatório para o mercado, diferenciando uma coisa da outra. Normatizar unicamente o MMN não resolve definitivamente a questão.

Aproveitando uma contribuição da legislação que rege as empresas de assistência à saúde, um instituto bastante valoroso para garantir economicamente o mercado de MMN pode ser a determinação de uma margem de solvência, com a empresa devendo comprovar periodicamente ter mecanismos financeiros e patrimoniais de adimplir suas obrigações perante terceiros, em especial seus associados.

Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Gabriel Hernan Facal Villarreal são, respectivamente, mestre em relações internacionais pelo Programa Santiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP) e mestre pelo programa de pós-graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo; mestre em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócios de Creuz e Villarreal Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


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