Um dia desses, soube do caso de um hospital que deixou de contratar de imediato um médico porque, dias antes, uma das pessoas que participavam do processo de seleção tinha visto a foto dele em uma matéria jornalística associada a escândalos na área de saúde. O processo, então, precisou ser paralisado para que se investigasse melhor a idoneidade daquele profissional. Esse retrabalho e risco teriam sido evitados se o hospital tivesse uma área de compliance estruturada.
O termo compliance, que significa conformidade, ganhou mais notoriedade no Brasil após frequentes escândalos de corrupção envolvendo empresas privadas e órgãos ou profissionais do Governo. Mas, o assunto vai além. Na área de saúde, por exemplo, quando um hospital possui boas práticas de compliance, ele cria meios para evitar integrar à sua equipe profissionais que tenham sido condenados por assédio a pacientes ou tenham praticado falhas graves de tratamento, procedimento ou conduta.
Ter compliance, ou seja, agir de acordo com regras, tende a gerar mais tranquilidade para a rotina de toda a cadeia de saúde, mas principalmente ao dono do hospital, diretor médico e gestor da indústria, que estão na linha de frente tanto quanto o compliance officer ou, na tradução para o português, diretor de conformidade. A necessidade se faz ainda mais necessária quando o estudo Demografia Médica no Brasil, produzido pela Faculdade de Medicina da USP, aponta que o número de médicos que chegam ao mercado aumenta ano a ano, com estimativa de que, até o final de 2020, o Brasil tenha ultrapassado a marca de meio milhão de profissionais. Isso não é pouca gente!
Vale ressaltar que para a justiça, um hospital, por exemplo, tem parcela de responsabilidade sobre as atitudes de todos os profissionais que circulam em suas dependências, sejam eles integrantes do corpo clínico fechado, que são os celetistas, ou aberto, caracterizado pelos profissionais que utilizam a estrutura hospitalar esporadicamente. Então, é fundamental que os líderes da área de saúde mantenham atenção redobrada para entender com quem se relacionam e qual é o perfil das pessoas que representam ou falam em nome da sua organização.
Se a sua organização de saúde ainda não possui práticas de compliance, sugiro começar formalizando todas as regras da empresa em políticas corporativas. Adote também um programa eficiente de treinamento e disponibilize a colaboradores de todos os níveis hierárquicos um canal eficiente para denúncias anônimas. É importante que essas e outras ferramentas e processos sejam implementadas por consultores que conheçam o mercado de saúde, pois cada área possui um mapa de risco específico. Do contrário, têm-se a chance de adotar práticas muito superficiais ou genéricas.
Em saúde, por exemplo, é preciso evitar a corrupção ativa e passiva que envolvam o favorecimento do registro de um produto, o repasse indevido de verba do Sistema Único de Saúde (SUS), o conflito de interesses, a promoção de medicamentos em benefício particular dos envolvidos, a contratação desvirtuada de Key Opinion Leaders (KOL) e o direcionamento de conteúdos ou opiniões por meio de gratificações em congressos científicos ou outros eventos da categoria, entre outros casos amplamente divulgado pela imprensa. Veja que esses são apenas alguns exemplos, pois a lista de riscos é bastante extensa, exigindo cuidado aos detalhes das interações nas relações da indústria com a classe médica.
Entenda que toda organização que compõe a cadeia da área de saúde interfere ou auxilia, de alguma forma, no bem mais precioso de uma pessoa, que é a vida. Então, cada vez mais é fundamental ter compliance para garantir boas práticas, preservando o bem-estar do paciente e a qualidade de trabalho dos seus colaboradores, enquanto zela pela imagem de credibilidade e reputação da organização e dos profissionais que a ela estão vinculados. Toda essa precaução evita que um ato seja caracterizado como propina ou influência indevida.
Due diligence é outra boa prática que deve permanecer no radar dos líderes da área de saúde, principalmente diante das constantes fusões e aquisições que temos acompanhado no setor. Mas, isso é assunto para o próximo post!
Sobre a autora
Camila Cortez, Chief Knowledge Officer (CKO) da Dr. Compliance