Lei Anticorrupção é um avanço, mas não panaceia
30/01/2014

Uma importante lacuna legal foi preenchida com a entrada em vigor da Lei 12.846, a Lei Anticorrupção, que tipifica crimes e define sanções para falcatruas e vantagens obtidas por meios ilegais por quem realiza negócios com o Estado - as empresas. Esse elo da corrente de uma sucessão de escândalos na última década sempre foi tratado de forma negligente, para dizer o mínimo. A nova lei, que cria a "pena de morte para as pessoas jurídicas", na definição do advogado Igor Tamasauskas (Valor, 28 de janeiro) foi inspirada em bons modelos e aperta o cerco aos malfeitos empresariais.

Tornou-se tradição, porém, acreditar que problemas crônicos do país, no caso a corrupção, podem ser resolvidos com a edição de uma lei. A corrupção no país é endêmica e persistente, permeia os poderes da República e goza de inacreditável impunidade. Independentemente da qualidade da lei, e a nova lei anticorrupção tem várias virtudes, ela pode não conseguir ultrapassar as barreiras institucionais que tornam a corrupção resistente e sua punição, uma proeza. Pode-se perceber os perigos que correm o novo dispositivo legal pela ausência de um único órgão responsável pela aplicação da lei no campo administrativo, que cria, como adverte o advogado Leonardo Ruiz Machado (Valor, 29 de janeiro), insegurança jurídica, "uma das grandes causas da judicialização do processo administrativo".

Ao desaguar na vala comum do Judiciário, a solução de um processo se mede em anos ou décadas até chegar ao fim. Quanto maiores as punições instituídas, maior a certeza de que a causa irá chegar, dada a possibilidade de uso de vasto arsenal de recursos protelatórios, ao Supremo Tribunal Federal - que até hoje julga, por exemplo, os efeitos econômicos do Plano Verão, de 1989. E o que a nova lei prevê não é pouca coisa - a da extinção pura e simples da empresa considerada corruptora até multas equivalentes a 20% de seu faturamento - muito dinheiro, se se considera os contratos bilionários ofertados pelo Estado.

O Executivo tem exercido em parte sua função fiscalizadora e punitiva, mas seus efeitos são amortecidos pela morosidade do julgamento dos recursos judiciais contra as multas que são aplicadas, por exemplo. Entra ano e sai ano e apenas uma pequena fração das punições aplicadas chegam aos cofres públicos. Um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União indicou que das sanções pecuniárias aplicadas entre 2008 e 2011 por 17 órgãos de regulação e fiscalização - entre eles o Cade e as agências - só 5,7% haviam sido pagas - R$ 1,7 bilhão de um total de R$ 29,2 bilhões.

Não é difícil antever que a punição a corruptos, agora estimulada, seja menos eficaz e tempestiva, já que deve esbarrar em uma Justiça lenta. Ainda assim, é certo que a nova lei ampliará a pressão sobre as empresas, ao mesmo tempo que, apesar de todas as falhas, tem havido empenho maior da burocracia em descobrir a corrupção dentro do aparelho de Estado. Jorge Hage, presidente da Corregedoria Geral da União, acha que a Lei Anticorrupção é o ingrediente que faltava. "Mais de quatro mil servidores do governo federal foram expulsos em dez anos e cerca de 3,5 mil empresas declaradas inidôneas foram proibidas de licitar. Mas acabava aí. Não havia norma que chegasse ao bolso e ao patrimônio da empresa", disse.

A Lei Anticorrupção já incentiva as empresas a aperfeiçoar seus esquemas de governança destinados a esse fim. A norma legal vai dosar as punições se for comprovado que a empresa infratora possui e aplica um "programa de integridade estruturado e efetivo", segundo a minuta do decreto regulamentador que deverá ser divulgado em breve. Esse programa permitirá à pessoa jurídica ter direito a mais atenuantes nas penas, caso, por exemplo, ele aja a tempo e comunique espontaneamente a "ocorrência do ato lesivo à administração pública, antes da instauração do processo".

Como a empresa pode ser severamente punida, tenha ou não ciência do ato ilícito, terão de ampliar sua prevenção e controle. Pesquisa feita pela empresa de auditoria KPMG mostrou que metade das fraudes empresariais cometidas em 78 países se beneficiaram de falhas nos controles internos (Valor, 17 de fevereiro).

A nova lei é um importante passo, mas não se deve esperar que vá eliminar a corrupção no país. Se dificultá-la e ajudar a colocar na cadeia um número razoável de corruptores já terá dado uma contribuição histórica.


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