O setor de saúde encontra-se sob pressão para adotar novas tecnologias e tornar-se mais sustentável e eficiente. Empresas do segmento consideram que o mundo digital vai permear tudo o que farão daqui para frente. E pisam fundo no acelerador. O ritmo de inovação digital nos últimos três anos ganhou velocidade em mais de 90% dessas companhias, aponta estudo global da Accenture.
Por trás do arranque, estão as chamadas tecnologias disruptivas, aquelas que têm poder de mudar as regras do jogo quando desembarcam em um mercado. Nuvem, big data, analytics e mobilidade são algumas das que estiveram em discussão no evento Healthcare Innovation Show HIS 2019, realizado em São Paulo nos dias 18 e 19 de setembro.
Na saúde não chegou tão longe em investimentos e maturidade de adoção quanto outras indústrias, dizem os analistas. Mas todas as organizações, com maior ou menor velocidade, vislumbram no futuro um modelo de atendimento em linha com as expectativas crescentes dos seus clientes e demais públicos. “Esse modelo só é possível com tecnologias como inteligência artificial”, diz Kaveh Safavi, líder global da área de saúde da Accenture.
Carlos de Barros, diretor-geral da Dasa, maior rede de medicina diagnóstica da América Latina -- por trás das marcas Delboni Auriemo e Exame - diz que está mais do que na hora de o setor no Brasil se unir para abraçar e fomentar a inovação que prolifera ao seu redor. “Já é possível usar o celular para contratar serviços, comprar produtos, fazer pagamentos, embarcar num voo, enfim, resolver problemas cotidianos, mas não se vê isso na saúde.”
Criar suas próprias soluções e conexões inteligentes, capazes de mudar a forma como as pessoas se relacionam com os serviços de saúde, é o que vai garantir a eficiência e sustentabilidade da indústria, ele diz, mas esse é um trabalho de muitas mãos, inclusive as de empresas emergentes. “Elas têm agilidade, são mais disruptivas e podem oferecer respostas aos problemas dos clientes.”
A Dasa investiu cerca de R$ 40 milhões em transformações que incluem plataforma para serviços digitais, como agendamento de exames e vacinas nos seus laboratórios. Manter os clientes no centro dessa estratégia, oferecendo o que eles esperam para se sentirem mais engajados, é prioridade da empresa, diz Barros.
Entre os hospitais, a BP - Beneficência Portuguesa de São Paulo, com 160 anos de existência, partiu na frente e já colhe frutos da transformação. “Há pouquíssimo tempo, éramos um hospital manual. Hoje, somos certificados como hospital 100% digital, com tudo integrado, da beira do leito até a conta faturada na alta do paciente”, diz Denise Soares dos Santos, principal executiva da BP. Ela ela se refere à conquista do selo HIMSS (de Healthcare Information and Management Systems Society), que conferiu à BP o mais elevado nível de maturidade na adoção do prontuário eletrônico.
Com o mergulho no mundo digital, a BP quer ser percebida como um polo de saúde que oferece às pessoas serviços continuados, e não apenas nos momentos em que elas precisam. “Hoje, quando um paciente recebe alta, não sabemos se o tratamento que ele faz em casa é adequado. É preciso engajá-lo, trazê-lo para dentro do sistema, e recursos para isso já existem, como dispositivos móveis e telemedicina, além de reuniões presenciais”, diz Denise.
No âmbito interno, ela afirma que a jornada de transformação fortaleceu uma cultura de inovação que resultou em projetos que considera revolucionários. Um deles é o uso de óculos de realidade aumentada e virtual por médicos residentes, para simular procedimentos como se estivessem em um centro cirúrgico real. “É revolucionário porque leva o treinamento para mais pessoas, longe do hospital.”
Denise defende integração de toda a cadeia de saúde, unindo sistemas público e privado, para que o cuidado de pessoas seja conjunto e colaborativo.
Tiago Damasceno, superintendente de TI do grupo Leforte, rede que abrange hospitais e clínicas especializadas, destaca a importância da infraestrutura para possibilitar a transformação no setor. “Não dá para implantar tecnologias inovadoras sem antes pensar a infraestrutura que vai suportar aplicações e sistemas e integrar diversas pessoas e setores na empresa”, diz ele, que compara infraestrutura a sistemas de esgoto. “São essenciais, mas as pessoas só dão importância quando um cano estoura.”
A dica do executivo são os guias de boas práticas da HIMSS, organização sem fins lucrativos que oferece modelos de maturidade para tópicos específicos de hospitais, como prontuário eletrônico digital, serviço continuado e imagem. Ele informa que o guia voltado para infraestrutura foi lançado recentemente. Como os demais, está disponível gratuitamente. “A empresa pode adotar o guia sem visar o selo, que pode ser buscado posteriormente.”
No grupo Leforte, o foco hoje é a digitalização dos processos, incluindo prontuário eletrônico, e integração de todas as unidades e médicos. “Somos pioneiros na utilização do certificado digital em nuvem no prontuário eletrônico”, afirma.
Entre as operadoras de planos de saúde, a expectativa é que a transformação resulte em mais padronização e colaboração entre diferentes players, para que os beneficiários não façam procedimentos desnecessários ou exames já realizados. “Temos obrigação de reduzir a ineficiência do sistema, e temos competência para isso”, diz Fernando Torelly, assessor da presidência da Central Nacional Unimed.
Segundo ele, a tecnologia deve ser usada para engajar e orientar clientes de forma que tomem a melhor decisão quando precisarem de serviços médicos. “Um cliente engajado saberá, por exemplo, em que circunstância é melhor marcar uma consulta, em vez de se dirigir a um pronto-socorro apenas porque está disponível. Essa é a mudança fundamental, não porque reduz a sinistralidade, mas porque aumenta a qualidade dos serviços e garante melhor saúde para as pessoas.”
Na área de assistência domiciliar e cuidados paliativos, o desafio é abraçar inovações sem perder o toque humano, segundo Eduardo Grecco, principal executivo da BSL (Brasil Senior Living). “Atendemos cerca de mil famílias em suas casas, muitas atravessando situações traumáticas. Temos de analisar como usar a tecnologia para, por exemplo, coletar informações que alimentarão o sistema para aperfeiçoar o atendimento.” O treinamento dos profissionais, nesse contexto, é tão importante quanto a tecnologia em si, diz.
Do lado dos fornecedores, Fabio Fritolli, diretor regional de vendas corporativas da Salesforce, especializada em nuvem e em sistema de gestão relacionamento (CRM), diz que transformação que dá certo é a que foca todos os participantes da indústria, não apenas os clientes. “Além de médicos e pacientes, um hospital se relaciona com operadoras, fornecedores, empregados e outros públicos. É preciso ter clara a estratégia de engajamento com cada ator.” A empresa atende hospitais com plataforma que permite, entre outros recursos, a coordenação de cuidados ao paciente e seu acompanhamento de forma individual e contínua.