Indefinição quanto à regulamentação de sistema é negativa
A decisão recente do Conselho Federal de Medicina (CFM) de revogar a nova resolução que regulamenta a telemedicina no Brasil, após protestos de médicos e entidades, deve atrapalhar, mas não impedir, o avanço do uso das novas tecnologias digitais no atendimento a pacientes. Essa é a opinião de especialistas que atuam nas áreas da saúde, tecnologia e medicina de grupo, e veem a expansão da telemedicina no país como irreversível, em especial na melhoria dos serviços da atenção básica de saúde.
A resistência de médicos e entidades é tida pelos especialistas como compreensível, mas não justificável. O Brasil já tem uma resolução sobre telemedicina, de 2002. A regra antiga já estabelece, por exemplo, que as informações do paciente só podem ser transmitidas a outro profissional com a sua permissão. O médico também permanece responsável pelo sigilo e armazenamento das informações, conforme previsto nas normas do CFM. Mas o conselho decidiu revogar a resolução alegando que precisaria de tempo para avaliá-la.
Um dos argumentos usados pelos defensores da nova resolução é que a maioria dos serviços de telemedicina que incide sobre diagnóstico e manejo clínico, por exemplo, já é rotineiramente oferecida nos países mais desenvolvidos e que sua aplicação no Brasil seria apenas uma questão de tempo. “A telemedicina é inexorável para o provedor de saúde público ou privado. Aquele que não aderir aos avanços trazidos pela tecnologia não terá como atuar no futuro”, afirma José Augusto Ferreira, diretor de provimento de saúde da Unimed BH.
A operadora mineira desenvolve atualmente sete projetos de telemedicina, ainda em fase piloto, nas áreas de atendimento a pacientes vítimas de acidente vascular cerebral (AVC), programa de atenção domiciliar, atendimento psicológico a distância, teleconsulta, interconsulta, dermatologia, entre outras. Os testes, segundo Ferreira, estão sendo feitos com beneficiários da Unimed BH e terão duração de seis meses. “Eles envolvem o mapeamento de processos, protocolos e padrões de atendimento, bem como a definição da ferramenta tecnológica e até do equipamento.”
O aspecto primordial de cada projeto, na opinião do diretor da Unimed BH, é que tenha o apoio incondicional da alta direção e não entre em conflito com as entidades médicas e organizações de saúde. “Cada projeto tem a sua particularidade, mas tem que ter o devido cuidado na implantação para não gerar nenhum choque”, diz. Ele ressalta, porém, que não é o projeto, mas o modelo de assistência que vai determinar qual provedor de saúde o cliente vai escolher.
A indefinição em relação à regulamentação traz uma série de consequências negativas, diz Marcus Vinicius Figueredo, CEO a HiTechnologies, empresa paranaense especializada em equipamentos para a área médica. Uma delas, segundo ele, é a dificuldade de incorporar inovações tecnológicas. “Existem muitas inovações de telemedicina que enfrentam barreiras para serem inseridas no sistema de pagamento, por exemplo. Normalmente, não são aceitas pelo Sistema Único de Saúde ou pelas operadoras de planos de saúde.”
Outro obstáculo, segundo Figueredo, é que tudo que envolve o sistema de saúde é lento e as próprias startups se acomodaram com isso. “Geralmente, a tomada de decisão sobre um projeto de telemedicina demora de seis meses a um ano.” Para o CEO da HiTechnologies, deveria haver também mais espaço para a realização de sandbox, ou seja, a simulação de ambientes para testar a implementação de tecnologias sem precisar efetuar operações reais. “Dentro de dois ou três anos, a forma de se realizar exames vai mudar drasticamente. Enquanto isso, poderia se testar diversos cenários sem afetar o processo atual”, observa.
Figueredo prevê que o modelo tradicional de atendimento ao paciente vai ser substituído por uma variedade de modalidades no futuro, principalmente no nível primário ou básico de atenção à saúde, tais como a criação de hospitais dia, em que o paciente é acolhido durante o dia e retorna para casa à noite, totens de autoatendimento em lojas de varejo para realização de exames, entre outros.