Escassez de verbas públicas acentua distorção provocada por deduções no IR
O poder público brasileiro consome cerca de um terço da renda do país em tributos e está entre os que mais gastam no mundo emergente. Mas, enquanto áreas como Previdência Social e Poder Judiciário recebem um volume anômalo de recursos, outras padecem de relativo subfinanciamento. Neste último grupo, destaca-se a saúde.
A ela se destinam cerca de 3,8% do Produto Interno Bruto em verbas federais, estaduais e municipais, enquanto em países desenvolvidos a cifra costuma ultrapassar os 6%. Em contrapartida, as famílias e outros entes privados desembolsam por aqui 5% do PIB ou mais para essa finalidade.
Assim, embora o SUS esteja disponível a toda a população, tem-se na prática um sistema híbrido, no qual quem pode paga por planos ofertados por empresas.
Combinadas verbas escassas e deficiências de gestão, a saúde aparece de forma recorrente entre os principais problemas da administração federal em pesquisas de opinião. No final de agosto, foi mencionada por 18% dos entrevistados pelo Datafolha, acima de educação e desemprego (15% cada).
Há muito se fazem regras para forçar um aumento dos recursos públicos direcionados à área, com sucesso parcial. Mais recentemente, com o colapso orçamentário do Tesouro Nacional, apenas se procura garantir o montante do ano anterior corrigido pela inflação.
Ainda assim, o valor dependerá em 2020 de aportes com o dinheiro reservado a projetos de interesse de deputados e senadores, como noticiou esta Folha.
Tal contexto torna mais evidente a distorção representada pela regra que permite deduzir despesas médicas do Imposto de Renda.
O benefício, do qual se vale a parcela mais rica dos contribuintes, implicará perda de receita estimada em R$ 17,3 bilhões no próximo ano —enquanto o Orçamento depende de 6,4 bilhões em emendas parlamentares para atingir o piso legal de R$ 121,8 bilhões.
Trata-se, portanto, de medida que implica sacrifício para o conjunto da sociedade, em especial dos que dependem mais dos serviços públicos, em prol daqueles que se valem da saúde privada.
Revogar ou reduzir a benesse tributária não vai pôr fim, decerto, às carências da área. Mas, como observou o economista Armínio Fraga em entrevista a este jornal, as classes média e alta talvez passassem a prestar mais atenção na qualidade e no financiamento do SUS