Quando eles são anunciados na empresa, uma certa apreensão paira no ar. Há sempre dúvidas sobre como eles vão promover a tão falada transformação digital. Entre os funcionários, a insegurança é em relação a avaliações e possíveis demissões. Por parte da liderança e dos conselhos, a incerteza é sobre quanto vai custar o processo e se, de fato, o executivo escolhido foi o melhor para realizar uma tarefa que pode ser crucial para a sustentabilidade do negócio.
Os Chief Digital Officers (CDO), ou qualquer outra nomenclatura que designe quem está à frente dessa mudança, têm uma grande responsabilidade sobre os ombros. E o maior desafio passa longe da tecnologia. Eles dizem que o mais difícil é equilibrar todas essas expectativas, além das suas.
A primeira geração de executivos a ocupar esse cargo nas grandes companhias globais já começa a fechar um ciclo em suas carreiras. Um levantamento inédito feito pela consultoria de seleção de executivos global Egon Zehnder com 215 profissionais, de 2O países, mostra que para esses pioneiros nem tudo foram flores. Existe muita angústia e decepção em suas jornadas. A empresa atua desde 1997 com o recrutamento para a área digital, uma das mais valorizadas no momento. No Brasil, um CDO deve receber este ano entre R$ 700 mil e R$ 1,5 milhão, segundo a base de dados da consultoria. No mundo, esse valor fica entre US$ 150 mil e US$ 1,1 milhão ao ano.
Esses executivos, na verdade, são desbravadores de um caminho ainda desconhecido. A pesquisa da Egon Zehnder mostra que um terço deles não tinha experiência na função quando assumiu o cargo, e 84% foram os primeiros a ocupá-lo em suas companhias. Mais da metade (64%) foi contratados no mercado e, para todos, havia um entendimento de que o posto seria transitório. Uma vez que a organização começa a incorporar as habilidades digitais em seu dia a dia, o trabalho dos CDO, teoricamente, está feito e ele pode sair.
No Brasil, ainda é cedo para dizer quantos CDOs cumpriram suas missões, pois a transformação digital na maior parte das companhias ainda está em fase inicial. “Lá fora, o debate sobre o papel do CDO está mais evoluído. A ideia é que ele olhe mais para o futuro e fique menos preso ao dia a dia. Aqui ainda há uma hesitação por parte da liderança em contratar um executivo que não se preocupe tanto com tecnologia, com o feijão com arroz, e que olhe mais para a estratégia”, diz Luis Giolo, sócio da Egon Zehnder no Brasil.
Ele explica que a diferença entre o Chief Technological Officer (CTO) e o CDO, é que primeiro tem a missão de colocar os processos em ordem e o segundo deve atuar como um estrategista do negócio. “Ainda existem poucas pessoas no mercado preparadas para o cargo de CDO.”
Outra característica das empresas no Brasil é que existe uma preferência para que a posição seja ocupada por executivos que já são da companhia, ao contrário do que acontece em outros países. Foi o caso de Antonio Salvador, que até o mês passado ocupava o cargo de CDO do grupo GPA, comandando a transformação digital do conglomerado com quase 100 mil funcionários.
Antes de assumir a função em agosto de 2018, ele respondia pelo cargo de vice-presidente de recursos humanos e sustentabilidade. “Quando me escolheu, o presidente sabia que esse era um processo de integração e que tinha a ver com cultura, gestão da liderança e com a formação de times”, explica. Ele diz que quando existe uma boa contaminação digital na companhia é sinal de que o trabalho do CDO está funcionando.
Salvador conta que sua missão era facilitar o entendimento entre áreas como e-commerce, CRM, tecnologia e inovação. “Eram várias diretorias diferentes definindo padrões de governança e buscando sinergias”. diz. Agora, segundo ele, o grupo está em outra fase e escolheu para ocupar o cargo um executivo com outro perfil, mais voltado para a estratégia comercial.
A pesquisa mostra que existem expectativas muito diferentes da liderança ao contratar um CDO. Entre os entrevistados, 56% disseram que seu papel era trazer impacto comercial, ou seja, monetizar a digitalização, apenas 19% disseram que precisavam estabelecer uma estratégia de produto de longo prazo e só 10% afirmaram que tinham a missão de ajudar na mudança cultural da empresa.
“Existe um problema que é o foco no resultado de curto prazo. O que pode dar certo se o trabalho for em uma startup no Vale do Silício, mas em uma empresa tradicional vai levar mais tempo. Os executivos consideram o fracasso já nos primeiros seis meses, o que é muito rápido. As companhias também ficam impacientes, mas a jornada sempre será muito mais longa do que o executivo imaginava quando aceitou o trabalho”, diz Lindsay Trout, que conduziu o estudo na Egon Zehnder.
Daniel Franco, 40 anos, que assumiu em junho como Chief Technology, Innovation and Business Development Officer, responsável pela condução da transformação digital da Duratex, sabe que terá um longo percurso para percorrer. “O que me atraiu no cargo foi a oportunidade de fazer esse trabalho em um setor que inova pouco, o de construção civil e decoração. Ele tem o menor nível de digitalização entre 16 indústrias, mas começa a notar que o mundo é e-commerce e que é preciso ir para onde ninguém está olhando ”, diz. Seu desafio é criar processos de governança sólidos mas que tragam mais agilidade ao negócio.
“Para atuar com startups é preciso aprovar compras mais rápido, acelerar as tomadas de decisões, por exemplo”, diz. A aproximação com esses novos negócios em programas como o “Garagem Duratex”, onde a companhia atua como aceleradora, ou em outras iniciativas onde startups ajudam a melhorar os processos internos e a redirecionar caminhos na companhia, segundo ele, são uma oportunidade a empresa aprender e aumentar as suas chances de sucesso na transformação digital.
Mesmo para Venancio Velloso, 38, que tem 15 anos de experiência na área digital, tendo se tornado empreendedor aos 23 anos, promover a mudança digital ainda é uma tarefa difícil. Ele fundou três empresas, a VTEX, a Sapatino, um e-commerce de sapatos que chegou a 128 países, e a WebPesados até se tornar consultor de estratégia digital. Depois, foi contratado para expandir o marketplace da Amazon no Brasil. Desde abril, como CDO, ganhou a missão de acelerar a transformação digital da Genial Investimentos, braço de corretagem, gestão de ativos e de fortunas do Brasil Plural.
A primeira constatação de Velloso no cargo foi de que a Genial tinha um gap a ser preenchido na área de tecnologia. Sua equipe de TI tinha apenas 11% dos profissionais, quando o indicado pelo mercado, segundo ele, para quem quer ganhar espaço no digital, é ter pelo menos 33%. “Vamos precisar contratar 65 profissionais até 2020”, afirma. Ele diz que 55% dos 300 funcionários da empresa vêm do mercado financeiro e não têm tanta afinidade com tecnologia e que será preciso lidar com as demandas de diferentes gerações.
Para ser bem-sucedido e concluir essa transformação em dois anos, Velloso vai ter que ajustar o modo de pensar dos profissionais da corretora. “Mudar o comportamento das pessoas é difícil. É preciso quebrar a resistência a coisas novas, dar exemplos e provocar com novas metodologias”, diz.
O estudo mostra que mais da metade dos CDOs dedicam a maior parte de seu tempo à evangelização da organização, incentivando a aceitação interna às mudanças, do que executando a estratégia. Eles dizem que 80% dos problemas estão relacionados a questões culturais. Além disso, 68% dizem que quebrar os silos foi mais difícil do que eles supunham antes de assumir o cargo, o que levou 24% deles a dizerem que passam boa parte do tempo administrando o próprio estresse.
“Se eles vêm de fora, vão demorar um tempo até entenderem as estruturas de poder. A cada passo, vão precisar influenciar a organização com muita conversa. Muitos de seus movimentos são ameaçados por falta de apoio do C-level, que pode fazer as mudanças acontecerem bem devagar porque se sentem ameaçados”, diz a consultora Lindsay Trout.
“É fundamental que exista o apoio do CEO e do conselho. Sem ele a transformação não acontece”, diz Rodrigo Nasser, da Itu Partners, que hoje atua como consultor de empresas que passam por esses processos. Entre 2012 e 2014, ele participou como Chief Technology Officer (CTO) da digitalização da Netshoes. Nasser diz que em todos os casos, o que o CDO vai fazer é sempre um escopo a ser definido, porque se trata de uma função nova. O profissional e a empresa precisam estar abertos para a experimentação e para o erro.
Defender o seu orçamento junto ao conselho, segundo Nasser, é uma tarefa que exige empenho do CDO. “É preciso ter uma reserva de dinheiro, que não estava planejada, para atualizar a rede de tecnologia. Se isso não acontece, a transformação digital não evolui”, explica. “Não dá para esperar que o conselho crie sozinho um espaço para um investimento sem retorno imediato”. Na pesquisa global, 62% dos CDOs dizem que não receberam suporte suficiente do CEO ou do diretor financeiro.
O papel do CDO, muitas vezes, é dar murro em ponta de faca e aguentar altas doses de cobrança por resultados. Portanto, para assumir a função é preciso gostar de desafio, ser resiliente, além de saber lidar com uma certa frustração. Uma das formas de combater esse sentimento, segundo Lindsay, é comemorar as pequenas vitórias durante o processo. “Os indicadores de sucesso nessas transformações ainda são vagos, não dá para esperar só o impacto comercial. A ideia é celebrar todas as conquistas, seja na maneira de trabalhar, na linguagem, no sistema ou no modelo das relações”. Mas, modéstia à parte, 42% dos profissionais ouvidos acreditam que seu próximo trabalho será como CEO - o número um da companhia-, embora poucas empresas tenham CDOs ocupando os primeiros postos. O que significa que, apesar das dificuldades, eles enxergam a sua função como um cargo promissor no mundo corporativo do futuro.