Para analistas, papéis do setor são “defensivos” contra volatilidade externa
Ações de saúde do Ibovespa acumulam alta de 46,69% no ano.
São Paulo – Marcado pela escalada de tensões entre China e Estados Unidos, o mercado de capitais enfrentou turbulências durante o mês de agosto. Em queda após quatro meses de alta, o Ibovespa voltou abaixo dos 100 mil pontos e viu o patamar se distanciar conforme Donald Trump usava o Twitter para ameaçar o comercio global e Xi Jinping preparava retaliações.
Até segunda-feira (26), o índice já havia perdido mais de 5 mil pontos e registrado baixa de 5,29% em agosto. Por outro lado, ações do segmento de saúde apresentavam forte guinada para cima. Os papéis da Qualicorp, de assistência médica coletiva, acumulavam alta de 26,33% no mês. Também do ramo, os papéis da Hapvida e NotreDame Intermédica subiam 15,55% e 13,16%, respectivamente.
Especialistas do mercado consideram ações de empresas de saúde como “defensivas” em tempos de mares revoltos no exterior. “Como tivemos muito ruído em relação à macroeconomia, como questão [Donald] Trump e China, elas acabaram ganhando bastante espaço na carteira de investidores”, afirmou Régis Chinchila, analista da Terra Investimentos.
Especialistas acreditam que alguns fatores blindam esses papéis da volatilidade externa. “Essa questão está bastante atrelada ao envelhecimento populacional”, disse Marco Calvi, analista do Itaú BBA. Já o economista-chefe do Grupo Laatus, Jefferson Laatus, acredita que a demanda constante reforça o aspecto defensivo dessas ações. “O ser humano sempre vai ficar doente ou com fome.”
Embora incertezas macroeconômicas tenham ajudado a impulsionar a alta dessas ações, analistas também avaliam que condições inerentes às empresas também motivaram a valorização.
As ações da Qualicorp, até segunda-feira acumulavam alta de 118% no ano. O analista do Itaú explica que a boa performance pode ser explicada pela aquisição de 10% da administradora de planos de saúde pela rede de hospitais D’Or São Luiz. “Como a companhia tinha um cenário desafiador em termos de crescimento, essa transação muda a perspectiva de que a empresa possa desenvolver produtos mais baratos com a Rede D’Or”, disse Marco Calvi.
Segundo Calvi, a NotreDame e a Hapvida fizeram uma “estratégia vencedora”, que também pode ser adotada pela aproximação de Qualicorp e Rede D’Or, que é a verticalização de custos por meio de redes de hospitais, clínicas, médicos e laboratórios próprios.
“Nos últimos dez anos, o custo da saúde complementar cresceu bastante no Brasil devido ao conflito de interesses dos principais atores da indústria, sem incentivo para reduzir custos. Por exemplo, o médico mandava fazer o exame mais caro para ter o melhor diagnóstico. Essa dinâmica trouxe uma inflação médica muito forte”, afirmou Calvi.
Acima da média
Como a B3 também considera farmácias e laboratórios de diagnóstico como pertencentes ao setor de saúde, o segmento é representado na carteira do Ibovespa pelas ações da Qualicorp, Fleury, Hypera e Raia Drogasil. Até sexta-feira (23), o bloco acumulava alta de 11,04% no mês e 38,77% no ano contra crescimento de 9,72% do Ibovespa. Apesar de nem todas essas ações terem alcançado a mesma rentabilidade dos papéis da Qualicorp, nenhuma delas teve desempenho inferior ao Ibovespa em agosto.
A partir de setembro, os papéis da NotreDame Intermédica passarão a reforçar o setor na carteira do Ibovespa. “[As ações de empresas de saúde] ganharam mais importância no índice. A entrada da NotreDame mostra que o fluxo foi para esses papéis”, disse Régis Chinchila.
De acordo com dados fornecidos pela provedora de informações econômicas Economatica, as ações da NotreDame Intermédica foram as que tiveram, no primeiro semestre, o maior volume de negócios entre os papeis de empresas de saúde listadas na Bolsa. De janeiro a junho deste ano, os papéis da Intermédica bateram 18,068 bilhões de reais em volume de negócios.
A segunda ação do segmento com maior volume de negócios foi a da Raia Drogasil, que acumula alta de 56,14% em 2019. Até junho, a soma do volume de negócios das ações da companhia foi de 13,493 bilhões de reais.
Há divergências, porém, sobre se os papéis da rede de farmácias deveriam ou não integrar o setor de saúde, visto que parte considerável da receita da empresa vem de itens atrelados ao varejo, como produtos de higiene e beleza.
“Farmácias vendem muitos produtos que não são remédios. Então, elas são influenciadas pelo aumento do varejo, e não só pela venda de medicamentos”, afirmou Laatus.
Apesar do desempenho atual, o papel da Raia Drogasil teve um 2018, com baixa de 37,17% no ano. A reversão da queda foi um dos motivos que levaram a alta deste ano, segundo o analista do Itaú Marco Calvi, mas não foi só isso. “A empresa passou a ter uma dinâmica competitiva mais agressiva, reduzindo o preço dos genéricos. Isso surtiu resultados nas vendas.”
Mesmo com as recentes valorizações dos papéis de empresas de saúde, ainda há expectativa de crescimento. “Atualmente, não temos nenhuma ação [de saúde] recomendada, mas o setor deve continuar crescendo”, disse Régis Chinchila. Jefferson Laatus acredita que os planos de aquisições por parte da NotreDame possam valorizar ainda mais o papel da companhia. “O mercado adora isso. Isso aumenta o portfólio da empresa, que passa a atuar em setores que não conseguiria entrar sozinha”, disse.
No entanto, há questões que podem minar o crescimento do setor, como a possibilidade de o governo acabar com as deduções médicas no imposto de renda. Uma melhora do cenário externo é outro quesito que gera dúvidas sobre a rentabilidade futura desses papéis.
Chinchila acredita que essas ações vão ser vendidas para fazer a obtenção de lucro, mas não agora. “Mais para frente, porque o cenário internacional continua bastante confuso”, afirmou.