O maior erro do jovem Dr. Frankenstein, no romance de Mary Shelley, foi querer criar um humano à sua semelhança, que acabou resultando na geração de um ser monstruoso. O livro escrito em 1818 já discutia na ficção até onde pode e deve ir nosso poder da criação. Duzentos e um anos depois, os avanços tecnológicos nos passam a falsa impressão de que somos capazes de inventar quase tudo. Esquecemos que os robôs nunca serão como nós.
“Ainda bem que a literatura, a música, as artes e as ciências humanas existem para nos lembrar o que significa ser humano”, afirma Melissa Nobles, reitora da Escola de escola de humanidades, artes e ciências sociais do MIT. “As máquinas podem até criar arte, mas toda a criatividade e as próprias máquinas vêm da mente humana.”
A reitora, PhD em ciências políticas, participou de evento do MIT na semana passada, em São Paulo, onde se discutiu o Futuro do Trabalho e conversou com o Valor. Embora o MIT seja uma universidades de ponta, responsável pelo desenvolvimento de boa parte da tecnologia que está mudando o cenário do trabalho no mundo, a instituição reconhece que é também de sua responsabilidade trazer os jovens para uma discussão mais ética e social dos efeitos desses avanços sobre a humanidade. “Não podemos criar tecnologias sem pensar o lado negativo. A ética não é uma maneira de julgar o que é certo ou errado. Só sei que vamos precisar muito dela no século XXI”, afirma.
Em sua escola, Melissa diz que o maior desafio hoje é combinar os programas de ciências humanas com o aprendizado de tecnologia. “Os alunos podem usar a habilidade digital para ler os livros de uma maneira diferente, mas o conteúdo dever ser a literatura. Nunca vamos desistir dos livros”, afirma. Ela diz que, mesmo os profissionais mais técnicos, se quiserem de fato aprender o que precisam para lidar com os humanos, vão ter que ler. “A literatura vai fazer isso acontecer.”
Esse olhar mais abrangente sobre o que significa a entrada dos computadores e das inteligências artificiais em nossas vidas e sociedade é o que o MIT vem investigando em várias frentes. Uma delas é o projeto MIT Task Force on the Work of the Future. Criado em 2018, Melissa conta que o objetivo é juntar especialistas, de diversas áreas, para ajudar a inventar o futuro “de uma maneira proativa e pensativa.” Ela conta que existem quatro pilares de pesquisas sendo explorados por esse grupo para avaliar as capacidades tecnológicas versus as habilidades complementares dos trabalhadores humanos.
“Queremos saber as implicações para instituições, empresas, indústrias e comunidades, incorporando o contexto local e as diferenças nacionais”, explica. Ela diz que estão sendo analisadas experiências relacionadas a adoção de tecnologias avançadas de fabricação e sua relação com o treinamento de novas habilidades para a força de trabalho no Brasil, China, Quênia, Alemanha e Suécia. “Queremos incluir também a Malásia, Portugal e Rússia”, diz.
O trabalho sobre o Brasil ainda está em andamento e as primeiras conclusões devem surgir em 2020. Melissa enfatiza que o impacto social dessas transformações, em todo o mundo, passa pela educação. “Vamos ter que pensar a aprendizagem para a vida toda”, diz. Ela diz que o MIT tem se empenhado em entender como funciona o ensino para adultos. “O futuro exigirá que as pessoas estejam abertas para a reciclagem, mas a indústria, os empregadores e os governos terão que oferecer esses recursos para as pessoas.”
Para aprofundar o entendimento científico da aprendizagem, o MIT desde 2017 usa o laboratório de pesquisa interdisciplinar chamado J-Wel- Abdul Latif Jameel World Education Lab. “Nele, examinamos novos caminhos educacionais para atender às emergentes necessidades globais”, diz. A iniciativa reúne uma comunidade global de colaboradores, entre universidades, empresas e ONGs. Entre os parceiros internacionais, no projeto na América do Sul, está a Universidade de São Paulo (USP).
No Brasil, assim como em quase todos os países, Melissa diz que será preciso haver um compromisso com a educação pública. “Todos os países têm a obrigação de fornecer a educação necessária para o século XXI. O Brasil pode fazer isso, só precisa do compromisso político”, afirma. Os brasileiros, sozinhos, já estão investindo no ensino on-line, abertos e gratuitos do MIT — o Brasil está entre os 10 países com maior número de alunos a distância.
O MIT hoje oferece cerca de 200 cursos on-line e, desde que iniciou essa área em 2012, já alcançou mais de 3,5 milhões de estudantes, de mais de 200 países, que receberam 180 mil certificados. “Vemos a educação on-line como uma parte importante da democratização da educação no mundo. Dessa maneira, todos podem ter acesso a um pedação do MIT”, diz. O curso mais popular, segundo ela, é o de ciência da computação.
Melissa conta que o instituto MIT Stephen A. Schwarzman College of Computing, anunciado em outubro do ano passado será um novo marco para o MIT. “É a mudança estrutural mais importante desde 1950, quando foi criada a Escola de Humanidades, Artes e Cências Sociais”, diz. Ele vai permear o ensino nas cinco escolas do MIT, oferecendo oportunidades de educação colaborativa, pesquisa e inovação.
“Queremos educar todos os nossos alunos para que eles se tornem bilíngues” diz. “Me refiro à fluência tanto na ciência da computação quanto em outra disciplina, e não no significado tradicional do domínio de duas línguas. No meu caso, seria ser fluente em computação e ciências políticas”. Por trás de todas as iniciativas da escola, Melissa diz que está a preocupação em oferecer aos alunos uma abordagem mais holística sobre a tecnologia. “As máquinas e os computadores não precisam assumir o controle. Podemos usá-los para nos ajudar a fazer o nosso trabalho melhor. Vamos fazer novos tipos de trabalhos e certamente o faremos com mais tecnologia, nunca menos. Não podemos é esquecer a política social e as dimensões éticas da computação.”