A SulAmérica deu o passo que faltava para se tornar uma seguradora especializada nos ramos de saúde e odontologia. A companhia brasileira vendeu as operações de automóveis e de ramos elementares à Allianz por R$ 3 bilhões. A conclusão do negócio e, portanto, a integralização do valor só vai ocorrer após a aprovação de órgãos reguladores, o que só deve ocorrer em 12 meses, nas estimativas das companhias.
Baseado nos dados do segundo trimestre, se forem retirados dos resultados as operações de auto e ramos elementares, o segmento de saúde e odonto passa a representar 92% das receitas do grupo. Ainda que mantenha um pé em vida, previdência e gestão de investimentos, essas três areas participariam com 7% das receitas da "nova" SulAmérica. "A decisão nos permite confirmar o posicionamento estratégico nos riscos que elegemos e que são sinérgicos", afirma o CEO da SulAmérica, Gabriel Portella, em entrevista ao Valor.
Apesar de pequenas dentro da estrutura da seguradora brasileira, os ramos de vida e previdência poderiam crescer em uma estratégia de "cross-selling", ou seja, a chamada venda cruzada. Segundo Portella, existe "potencial de sinergia de segmentos de vida, previdência, saúde e odonto".
O grupo chegou a cogitar vender operações de vida e previdência, mas agora considera haver potencial a ser capturado. "Naquela época [no ano passado], a gente estava avaliando oportunidades de nos alavancar", afirma, em referência à venda de ramos de menor relevância dentro da estratégia, como a capitalização, adquirida pela Icatu. "Agora as possibilidades são ainda maiores e certamente os investimentos vão para essas áreas [como previdência e gestão de recursos]", acrescenta.
Portella cita o investimento recente na plataforma aberta de produtos de investimento da Órama como exemplo. "A gente entrou nesse mundo porque vemos potencial de agregar valor e todas as oportunidades que a gente tiver, vamos aproveitar da forma mais sinérgica que pudermos." O canal de distribuição pode se tornar estratégico no futuro, com a venda de produtos de previdência e seguro de vida de maneira totalmente on-line.
Do lado da Allianz, a compra da operação de auto e ramos elementares vai significar um salto no ranking brasileiro de cobertura de veículos. A filial da seguradora alemã vai passar a ocupar o segundo lugar nesse segmento atrás apenas de Porto Seguro.
A aquisição também faz parte da estratégia do grupo para avançar no processo de recuperação de seus resultados no Brasil, uma virada que se iniciou no primeiro semestre deste ano. Isso porque, assim como todo o setor de seguros no país, a empresa foi afetada pelo ciclo de cortes da taxa básica de juros, hoje em 6% ao ano, que reduziu os resultados financeiros, decorrentes da aplicação das reservas técnicas.
"No primeiro semestre, melhoramos muito, apresentando um lucro operacional e um índice combinado abaixo de 100%", disse ao Valor o presidente da empresa, Eduard Folch. O indicador terminou o primeiro semestre em 98,7% no critério IRFS. Abaixo de 100%, o índice combinado representa lucro à operação. Segundo Folch, a compra vai agregar melhores práticas e tecnologias, aprimorando o serviço e o resultado do grupo.
A venda das operações pode significar uma entrada líquida de mais de R$ 2 bilhões para a SulAmérica, quando a operação for concluída. "Mas dependemos, para ter a exatidão desses números, da conclusão da transação", afirma Ricardo Bottas, vice-presidente de controle e de relações com investidores do grupo.
Conforme Bottas, "não se trata de uma venda de carteiras". A SulAmérica vai criar uma nova empresa e transferir toda a operação, incluindo ativos e passivos relacionados às áreas de auto e outros ramos elementares, para esse braço. De acordo com o vice-presidente de RI, a nova empresa vai operar dentro do guarda-chuva da holding até a conclusão da operação, que tem período estimado em um ano. "O valor [do negócio] está deferido e os resultados da carteira até a data da conclusão serão da SulAmérica."
Segundo fonte a par do assunto, apesar de a negociação ter acelerado nos últimos meses com uma oferta concreta da Allianz, o primeiro contato entre as companhias ocorreu há um ano. Um dos catalisadores foi o movimento de concorrentes com aquisições relevantes como a integração da XL ao grupo Axa, no fim do ano passado, e a parceira da HDI com a Icatu, anunciada no início de 2019.
Sobre a possibilidade de a SulAmérica se tornar uma operadora de saúde e odonto, movimento sempre especulado pelo mercado, Bottas afirma que a companhia já teve a discussão, mas não enxerga vantagem competitiva. "Existe uma questão tributária, porque a alíquota de IR e contribuição social da seguradora é de 40% e a das operadoras é de 34%. A operadora, por sua vez, tem ISS sobre a receita, então quando fazemos o balanceamento geral não vemos vantagem." O CEO do grupo, porém, lembra que a SulAmérica é uma holding, "com várias seguradoras e também operadoras da área de odonto" sob o guarda-chuva.