O número de planos de saúde conhecidos como “falsos coletivos” no País saltou de 3,3 milhões para 5,2 milhões entre 2014 e este ano. Esse tipo de contrato traz garantias mais frágeis para usuários e é ofertado para grupos com menos de 30 pessoas. A modalidade já representa 11% do mercado. Há cinco anos, essa taxa era de 6,6%.
Os dados são de um estudo inédito, obtido pelo Estado, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Com o fim da oferta de planos individuais pelas empresas, usuários acabam sendo empurrados para esse tipo de produto, na esperança de ter garantia de atendimento médico quando necessário”, diz Mário Scheffer, coordenador do estudo.
O aumento de “falsos coletivos” ganha ainda mais destaque quando se analisa o mercado como um todo. No mesmo período se agravou a crise econômica no País e o total de pessoas com planos caiu de 50 milhões para 47,3 milhões.
“Essa foi a única modalidade de contrato que registrou crescimento”, completa Scheffer.
Além da expansão no mercado, os “falsos coletivos” estão mais fragmentados. A média de pessoas em cada convênio caiu de forma expressiva no período analisado. Passou de 6,2 pessoas por contrato para 4,5.
Scheffer avalia que a mudança do mercado levou a outro fenômeno: o aumento de ações na Justiça dos usuários contra planos. “Era uma bomba que havia tempos sabíamos que ia estourar.” A proporção de ações propostas contra empresas a cada 10 mil usuários passou de 4,18 para 12,73 entre 2011 e 2018. As queixas cresceram em ritmo muito mais alto do que o universo de pessoas com planos.
Para fazer um contrato de “falso coletivo”, basta que alguém do grupo com menos de 30 pessoas tenha um CNPJ.
Geralmente composto por parentes, conhecidos ou pequenos empreendedores, o plano tem como atrativo inicial uma cobertura médica considerada aceitável e preço mais reduzido.
As dificuldades, porém, se instalam com os reajustes. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ligada ao Ministério da Saúde, determina que os reajustes são únicos para essa modalidade de contrato. O porcentual é fixado pela operadora, aplicado uma vez por ano. “O problema é que a ANS não faz controle de como esse reajuste é realizado”, diz Scheffer.
Em um documento oficial, a ANS reconhece falhas na forma do reajuste. Conforme a nota, de 2017, a ANS observa que algumas operadoras usavam fatores estatísticos para impulsionar os reajustes “mesmo que a sinistralidade (índice de uso de serviços oferecidos pelo plano ) do período seja inferior à meta de sinistralidade estipulada pela operadora.” Em 2019, o reajuste médio dos “falsos” coletivos foi de 14,74%. bem acima dos 10% determinados para reajustes individuais e da variação na inflação do período, de 4,66% pelo índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
“Grande parte do aumento das ações na Justiça é provocada por pessoas que consideram abusivos os reajustes”, diz Renata Vilhena, especializada na área de planos de saúde. Das 5,2 milhões de pessoas vinculadas a “falsos coletivos”, segundo o estudo da USP, 4,4 milhões (86%) sofreram reajuste superior ao aumento das mensalidades de planos individuais. Em uma das operadoras, que concentra 20% dos clientes, o reajuste foi de 18,9% – 8,9% a mais do que o reajuste dado ao plano individual.
O advogado Eliezer Domingues Lima Filho sentiu no bolso o peso das queixas feitas por seus clientes. Como não achou no mercado um plano individual – cujas regras de cobertura e reajustes estão claras na lei do setor -, ele e outros sete parentes contrataram um “falso coletivo.” Há dois anos, porém, diante das altas consideradas excessivas, recorreu à Justiça. Mesmo com liminar garantindo reajuste bem abaixo do que foi definido pela operadora, os problemas persistiram. “A empresa continuou cobrando aumentos. E se recusando a prestar atendimentos”, conta ele.
A lei permite que operadoras rescindam o contrato unilateralmente, no momento da renovação – o que ocorre depois do primeiro ano de aniversário. Uma estratégia também conhecida é o reajuste das mensalidades em porcentuais elevados.
Mercado. Procurada, a ANS Suplementar não comentou. A Fenasaúde, que representa 16 grupos de operadoras, atribuiu a concentração dos contratos à regulação do setor e argumentou que o reajuste é norteado por regras da ANS. Para a entidade, os porcentuais aplicados “buscam preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e refletem aumentos nos custos médico-hospitalares.” Já a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) atribuiu o fenômeno à crise do País, favorável, na visão da entidade, ao surgimento de microempreendedores.