'Due diligence' e práticas anticorrupção
09/01/2014 - por Por Rubén Kraiem e Gustavo Akkerman

O volume de fusões e aquisições teve crescimento expressivo no Brasil e tudo indica que a tendência é de expansão. À primeira vista não parece óbvio que empresas brasileiras possam estar sujeitas à aplicação das penalidades previstas na Foreign Corrupt Practices Act norte-americana (FCPA), caso adquiram ou formem joint venture com empresa brasileira que tenha participado em atos de corrupção. Caso haja, todavia, elemento de conexão suficiente para sujeitar alguma das partes à FCPA, fusões, aquisições e joint ventures podem ter tal consequência talvez inesperada.

É de especial importância atentar às diretrizes das autoridades dos Estados Unidos (EUA) quanto à aplicabilidade da FCPA a tais operações. Vale notar que o Department of Justice (DOJ) e a Securities and Exchange Commission (SEC), órgãos encarregados pela apuração de infrações sujeitas à FCPA, vêm adotando interpretação ampla na aplicação da lei a empresas estrangeiras, já tendo sugerido que um telefonema, e-mail ou fax, para ou por meio do território dos EUA, seria suficiente para sujeitar empresas estrangeiras à FCPA, desde que tal canal seja utilizado como meio ou esteja relacionado à prática da infração.

A discussão é de especial importância diante da Lei nº 12.846, a Lei Anticorrupção Empresarial, que entra em vigor no dia 29. Inspirada na FCPA, a nova lei estabelece a possibilidade de punições a empresas nacionais e estrangeiras por pagamentos ilegais feitos a autoridades governamentais. Entre as muitas similaridades com a FCPA, incluem-se a possibilidade de celebração de acordo de leniência com as autoridades e a aplicabilidade a atos praticados em outros países.

A vigência da nova Lei Anticorrupção deverá trazer à luz mais investigações e fatos envolvendo potenciais atos irregulares

E da mesma forma que a nova Lei Anticorrupção estabelece a permanência de responsabilidade em caso de incorporação ou fusão, também nos EUA o adquirente pode estar sujeito a punições por atos praticados pela empresa adquirida - sendo fusões, aquisições e joint ventures -, bem como a responsabilidade do adquirente ou empresa sobrevivente pelas irregularidades praticadas pelo negócio adquirido, importante área de crescente destaque nas investigações da SEC e do DOJ.

Em novembro de 2012, DOJ e SEC publicaram o Resource Guide to the U.S. FCPA, contendo orientações para o cumprimento da lei e diretrizes seguidas pelos mencionados órgãos nos processos para apuração de condutas. No que se refere especificamente a fusões, aquisições e joint ventures, o guia esclarece que a instauração de processo administrativo é mais provável no caso de irregularidades graves e contínuas, ou quando o adquirente tenha se envolvido ou não tenha tomado medidas para interromper a prática. O guia reforça a importância de duas medidas: um processo de auditoria legal (due diligence) de forma prévia à aquisição; e um programa de integração posterior à aquisição, incluindo passos para a adoção de código de conduta, treinamento e outras medidas para cessar práticas irregulares.

A realização de due diligence concernente a práticas de corrupção vai além do tradicional escopo daquela comumente realizada na prática de fusões e aquisições. Trata-se de toda uma nova área sujeita a procedimentos próprios de investigação. A recomendação do guia é uma auditoria baseada em risco, para identificação dos principais riscos relativos a potenciais práticas de corrupção no modelo de negócios de uma empresa e nos seus relacionamentos específicos com clientes, fornecedores e terceiros.

Não há fórmula pré-estabelecida quanto à maneira de realização da auditoria, mas o Resource Guide oferece exemplos de características desejáveis. Estas incluem a análise de dados financeiros e de vendas, bem como de contratos com clientes e fornecedores, pelas áreas legal, contábil e de compliance, com atenção a riscos de ocorrência de pagamentos indevidos; a avaliação da base de clientes da empresa adquirida; a auditoria de transações específicas selecionadas, relevantes no negócio da empresa adquirida; e a realização de discussões e entrevistas detalhadas com os departamentos jurídico, de vendas e controladoria, no que se refere a riscos de irregularidades, medidas tomadas para evitá-los, esforços para implementação de medidas de compliance e quaisquer outros assuntos relacionados a corrupção que possam ter surgido em anos passados.

Documentando-se um genuíno esforço para descobrir e evitar violações à lei, o adquirente fica melhor habilitado a demonstrar o comprometimento com políticas anticorrupção. A prévia realização de auditoria legal, o devido registro e documentação quanto à sua realização, e um programa de integração posterior são listados no Resource Guide como elementos fundamentais de um programa de compliance efetivo. Portanto, as autoridades norte-americanas esperam que um programa de compliance corporativo estabeleça diretrizes claras para realização prévia de processo de due diligence, bem como as políticas aplicáveis a processos de integração pós-aquisição de novos negócios.

Essa expectativa é de especial relevo no atual cenário brasileiro: a vigência da nova Lei Anticorrupção deverá trazer à luz mais investigações e fatos envolvendo potenciais atos irregulares praticados por empresas brasileiras. Uma vez que tais informações sejam investigadas, aumentará o volume de informações disponíveis aos órgãos dos EUA para instaurar seus próprios procedimentos e investigações. Nesse contexto, as empresas brasileiras que possam vir a se sujeitar à FCPA têm razões ainda mais contundentes para realizar um processo de auditoria que talvez antes não estivesse no radar, focado especificamente nos riscos e práticas de corrupção.


 




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