A proposta é implementar um limite de 2% de ácidos graxos trans industriais (AGTIs) sobre o teor total de gorduras nos produtos alimentares destinados ao consumidor final
A Diretoria Colegiada da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta terça-feira a abertura de uma consulta pública que propõe requisitos para uso de gorduras trans industriais em alimentos . A proposta é adotar, de forma gradual, a restrição de uso de ácidos graxos trans industriais (AGTIs) em produtos alimentícios. A consulta deve ser aberta nos próximos dias, após sua divulgação no Diário Oficial, e ficará disponível para contribuições por 60 dias.
O texto que será proposto pela Anvisa quer implementar um limite de 2% de AGTI sobre o teor total de gorduras nos alimentos destinados ao consumidor final. Essa restrição, que também seria válida para os serviços de alimentação, teria um prazo de adequação de 18 meses.
A proposta partiu de uma análise de estudos científicos que demonstram que os ácidos graxos trans (AGTs) podem contribuir para o desenvolvimento de várias doenças , com evidências convincentes de que seu consumo acima de 1% do valor energético total afeta muitos fatores de risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares , aumentando a ocorrência de eventos coronarianos e a mortalidade por essas causas. De acordo com a Anvisa, estima-se que, em 2010, o consumo excessivo de AGT foi responsável por 18.576 mortes por doenças coronarianas no Brasil. Esse número representou 11,5% do total de óbitos por essa causa.
— Este tipo de gordura causa alterações prejudiciais no colesterol. Ela não só eleva o colesterol total e o LDL (considerado ruim), como diminui o DHL (o bom) e aumenta as inflamações do organismo — explica Luiza Torquarto, assessora técnica do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN). — Temos evidências que associam o consumo de gorduras trans a maiores riscos de derrame, infarto, infertilidade, diabetes e até câncer. Seu uso tem um grande impacto na saúde pública e interfere também no fator socioeconômico. Em função dessas doenças, as pessoas deixam de trabalhar ou ficam incapacitadas, além destas enfermidades gerarem um custo muito alto para o sistema de saúde.
Em maio de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o “Replace”, pacote de ação para apoiar os governos a eliminar a gordura trans produzida industrialmente da oferta global de alimentos até 2023. O pacote prevê a substituição do tipo trans por óleos e gorduras mais saudáveis. De acordo com o último Relatório de Eliminação Global da Gordura Trans 2019 da OMS, limites obrigatórios de AGTs ou proibições de óleos parcialmente hidrogenados estão em vigor em 28 países — o que representa 31% da cobertura global da população.
No documento, o Brasil aparece como um dos países que ainda não possuem legislação sobre o tema, mas apresentam “medidas complementares” como “incentivar os consumidores a fazer escolhas mais saudáveis em relação aos AGTs produzidos industrialmente”.
Após a análise das contribuições da consulta pública, a Anvisa fará uma regulamentação sobre o uso de gordura trans nos alimentos brasileiros. Uma segunda etapa — que será abordada em outra proposta — seria o banimento do uso de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados (do tipo AGTI) em alimentos no Brasil. Esta proibição seria implementada em um prazo adicional de mais 18 meses, após o fim da primeira etapa de restrições.
Presente em alimentos destinados a crianças
As gorduras trans estão presentes em alimentos como margarinas, cremes vegetais, produtos de panificação e confeitaria, salgadinhos, sorvetes, chocolates, biscoitos, massas instantâneas e em grande parte dos produtos ultraprocessados, com consumo crescente no Brasil, inclusive nos destinados para o público infanto-juvenil, alerta uma nota de posicionamento a Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) e do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN): “esse tipo de gordura não é essencial para o organismo, não oferece nenhum benefício à saúde e é totalmente substituível”.
Existem dois tipos de gorduras trans que podem ser encontradas nos produtos alimentícios: a natural, presente em alimentos derivados de animais ruminantes, como a vaca; e a industrial, feita nas fábricas de alimentos.
— A industrial é a principal fonte desta gordura maléfica na nossa dieta. Ela é produzida por uma série de processos tecnológicos, sendo o principal deles o de hidrogenação parcial de óleos vegetais. Neste processo, o óleo líquido é hidrogenado e transformado em sólido, se transformando em gordura vegetal. Isto é muito usado nas indústrias de alimentos para aumentar a validade dos produtos, melhorar o sabor e a textura, conferir crocância aos alimentos, tudo isso com um baixo custo — diz Luiza Torquarto.