No último mês tive a oportunidade de viver uma experiência profissional bastante rica. Fui uma das finalistas da premiação internacional Cartier Women’s Initiative Awards 2019. A Vittude, startup da qual sou fundadora, era a única empresa brasileira entre as 21 finalistas globais.
Como parte da programação, tivemos 8 dias intensos de visitas, workshops e treinamentos. Durante esse período tive a oportunidade de visitar três Health Techs no Vale do Silício.
Compartilho abaixo um pouco da inovação que essas empresas estão produzindo para a saúde global, bem como os insights e aprendizados obtidos com seus fundadores.
Heartflow
Eleita pela Fast Company como uma das empresas mais inovadoras do mundo em 2019, a Heartflow utiliza deep learning para melhorar a forma como doenças coronarianas são testadas e tratadas. Usando um modelo do coração humano em 3D, a empresa aplica inteligência artificial para prever os impactos de bloqueios (entupimentos das coronárias) nos fluxos sanguíneos e prescrever um plano de tratamento mais efetivo e sem necessidade de uma cirurgia invasiva.
Em 2018, a empresa lançou um APP para médicos, permitindo que eles obtenham as informações necessárias para verificar o status dos pacientes. Nos Estados Unidos, a UnitedHealthcare começou a cobrir os serviços da empresa, o que tornou a HeartFlow disponível através do seguro para cerca de 75% dos americanos.
Medable
Fundada por Michelle Longmire, eleita pela Fast Company uma das pessoas mais criativas do mundo em 2018. A Medable oferece a médicos e pesquisadores uma plataforma para realização de testes clínicos. Através de um app são coletadas informações de saúde de pacientes, sem a necessidade de ida a um laboratório. Os dados, que trazem informações sobre fatores ambientais de saúde, contribuem para a criação do que Michelle chama de “Digitome”, um análogo digital do genoma humano. No digitome podem ser encontrados os elementos de saúde que estão fora do código genético. Esses dados conseguem revelar a forma como vivemos e como isso afeta nossa saúde.
Atualmente a plataforma já foi utilizada para mais de 6 mil testes clínicos, sendo aplicada por grandes hospitais e empresas farmacêuticas ao redor do mundo. Até o momento já alcançou cerca de 15 milhões de pacientes. A empresa utiliza inteligência artificial para buscar padrões na forma como pacientes adquirem doenças e blockchain para permitir troca de dados médicos dentro da plataforma.
Tiatros
Uma das empresas que estava ansiosa para conhecer. Fundada por Kimberlie Cerrone, após os filhos retornarem do serviço militar com um quadro de Transtorno de Estresse Pós Traumático, a Tiatros tem como propósito oferecer programas seguros e efetivos de saúde mental, baseados nos conceitos da terapia cognitivo comportamental. Os programas ajudam os clientes a aumentarem a resiliência, a reduzirem a incidência de doenças psicossomáticas e atua na promoção de crescimento pessoal e sucesso profissional. Tem atuação focada no ambiente corporativo, oferecendo os serviços para empresas americanas de grande porte. O objetivo principal é ajudar as empresas a reduzirem os custos de saúde e aumentarem a produtividade.
Ao incorporar tecnologias avançadas de análise e inteligência artificial, personalizam a experiência do participante e melhoram os níveis de envolvimento e os resultados clínicos. Oferecem aos clientes ferramentas para maximizar a saúde e o bem-estar de seus colaboradores, além de gerenciar os gastos com assistência médica.
O Tiatros CarePod usa uma API de processamento de linguagem natural do Watson da IBM. Através disso, obtém informações de saúde dos colaboradores e integra os dados de forma a obter uma visão mais completa da saúde emocional do paciente.
Principais aprendizados
Durante a conversa com os 3 empreendedores, tive a oportunidade de ouvir suas histórias, motivações e principais desafios ao longo da jornada. Mesmo estando no coração de um dos ecossistemas de startups mais importantes do mundo, todos os fundadores compartilharam desafios vividos para captar investimentos, recrutar e reter bons talentos e escalar suas soluções de forma global e sustentável.
Em conversa com o Charles, CTO e fundador da Heartflow, ele compartilhou que seu projeto começou na década de 90, durante seu PHD em Stanford, onde foi professor por anos. No início do projeto, que era inovador e demandava muita pesquisa, encontrou dificuldades em levantar investimentos. Ele compartilhou que o fato de estar dentro de Stanford foi super importante, para a continuidade da sua ideia. Ele conseguiu incubar seu projeto dentro da universidade por quase uma década, ganhando musculatura, inúmeros resultados de pesquisas, patentes, até estar pronto para de fato crescer a empresa, buscar investidores e escalar o negócio, que acaba de receber um aporte de U$$500 milhões, com a participação de investidores como a GE Ventures.
Me peguei pensando: se foi difícil para ele, que era PHD em Stanford, imagine para nós que estamos em um ecossistema ainda jovem como o Brasil. Mas, o que realmente ficou marcado foi a persistência e resiliência dele enquanto fundador. Se você acredita em um negócio, precisa transformá-lo em realidade e isso só depende de você. Ele encerrou nossa conversa com uma frase que trouxe na bagagem: eu acredito que ninguém precisa morrer com um ataque cardíaco, assim como ninguém precisa cometer suicídio por conta de uma depressão. Siga acreditando no seu projeto e dando seu melhor, tenho certeza que terá sucesso.
A Michelle, da Medable, compartilhou que seu maior desafio é gerir uma equipe global. Na competição pelos melhores talentos, ela possui um time de cientistas, engenheiros e médicos situados em diversos países. Alguns ela ainda nem conhece pessoalmente. Quando questionada sobre a eficácia do modelo de trabalho remoto, ela respondeu que o segredo é construir uma cultura forte. Ela afirmou fazer reuniões frequentes com o time e compartilhou que o mais importante é garantir que todos estejam alinhados com relação ao propósito e à visão de futuro da empresa.
Com a Kimberlie, CEO da Tiatros, descobri que o problema de saúde mental nos EUA está ainda mais crítico que no Brasil. Segundo ela, dentro das empresas americanas, mais de 50% dos colaboradores já apresentam sintomas de alguma doença mental e o burnout é cada vez mais presente. No entanto, um dos grandes desafios é produzir soluções inovadoras e escaláveis que não dependam somente do profissional de psicologia. Segundo ela, os problemas relacionados aos transtornos mentais cresceram tanto na última década, que não há mais psicólogos disponíveis para atender os pacientes. Ao contrário do que vemos no Brasil, onde os profissionais possuem ociosidade na agenda, por lá há uma problema na oferta. Por essa razão a inteligência artificial passa a ser crucial e importante.
Em resumo: três ideias geniais, disruptivas, focadas em problemas globais, sendo conduzidas por empreendedores brilhantes, com um desejo genuíno de transformar o mundo em lugar melhor e impactar bilhões de vidas.
Sobre a autora
Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude