Estudo do Ipea atribui discrepância no acumulado de 18 anos à falta de regulação dos contratos coletivos, que têm preços livres, e servem como base para fórmula de reajuste dos individuais. ANS considera comparação inadequada
Em um período de 18 anos: Inflação do setor de saúde 180% IPCA 208% Inflação acumulada dos planos de saúde individuais e familiares 382% Dados: Ipea
Levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, nos últimos 18 anos, a taxa de inflação acumulada dos planos de saúde individuais e familiares foi de 382%. Bem acima da do setor de saúde, de 180%, e da medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 208%. Para um dos responsáveis pelo estudo, o economista Carlos Ocké-Reis, a discrepância entre os números se dá pela falta de regulação de planos coletivos, que praticam preços livres, e são usadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na fórmula de cálculo dos aumentos dos planos individuais.
Na opinião do economista, como, no Brasil, há uma política regulatória, não era para existir uma discrepância tão grande. “É de se esperar que a inflação dos setores de serviços, como saúde, seja maior que a geral, mas, no Brasil, constatamos um abuso de preços, sobretudo a partir de 2006”, disse. Segundo Ocké-Reis, o resultado do estudo mostra que alguma coisa não está funcionando muito bem. “Fica claro que a ANS não foi capaz de regular a inflação dos planos de saúde”, afirma o estudo.
Com o aumento do desemprego e o alto custo dos planos, muitos brasileiros estão abrindo mão dos serviços de operadoras de saúde. Ana Carla Machado, 49 anos, não deu conta de pagar plano para ela e os filhos. “Gastava 20% da minha renda familiar para manter o atendimento para todos. Estava difícil pagar o aumento que ocorre no meio do ano. Atualmente, estou sem plano, pago só para os meus filhos”, lamenta. “Hoje em dia plano de saúde é muito caro, ainda mais na minha idade por eu já estar na categoria acima de 44 anos.”
A microempresária Maria Monteiro, 49, afirma que paga cerca de R$ 1,4 mil pelo serviço para ela e a filha, Jaqueline. “Há alguns meses, eu pagava R$ 1 mil, mas o preço começou a subir tanto que troquei meu plano por um mais barato”, relata Maria, que já considerou cancelar o plano de saúde por achar os preços abusivos. “Não cancelo, porque tenho medo de realmente precisar usá-lo e morrer na fila de hospitais públicos”, explica.
Resposta
Em nota, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que “entende como inadequadas as comparações feitas no estudo do Ipea entre o índice teto de reajuste dos planos de saúde individuais e índices de preços ao consumidor, sejam eles gerais, como o IPCA, sejam específicos”. “Há outras questões metodológicas que devem ser consideradas, como a diferença na composição da cesta de serviços do IPCA, que mede a “inflação do consumidor”, e a cesta de serviços das operadoras de planos de saúde”, explica a nota.
Como consequência dos aumentos, as adesões aos planos de saúde individuais caíram no período entre março de 2018 e março de 2019. Segundo informações da ANS, o número de beneficiários passou de 9.153.256 para 9.049.601. Apesar disso, o estudo da ANS mostrou que o número de beneficiários de planos de assistência médica, no geral, cresceu, passando de 47.016.508 para 47.053.184. No Centro-Oeste, o aumento foi ainda mais expressivo. A região concentrou mais de 100 mil dos 200 mil novos adeptos em 2018.
O presidente da FenaSaúde, João Alceu Lima, explica que o aumento da inflação verificado pelo Ipea nos planos de saúde não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, e por isso não pode ser atribuído apenas a causas nacionais. Com base em levantamento de 2018, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) que posiciona o Brasil como o sétimo país com maior índice de inflação médica — ficando atrás dos Estados Unidos e Canadá –, a FenaSaúde atribui esse índice a alguns fatores: o aumento da longevidade da população; o custo da incorporação de tecnologias que aperfeiçoam a medicina; e o consumerismo da população.
Em relação à pesquisa da ANS, que mostra uma queda na adesão aos planos de saúde individuais no período entre março de 2018 e março de 2019, o presidente da FenaSaúde chamou atenção para o fator desemprego, com a taxa atual de 12,4% no país. Ele também esclareceu que, por causa da saída do mercado de diversas empresas que vendiam planos individuais de saúde, é normal que a taxa de adesão caia.