"O gestor é um mediador". A frase foi dita por quem entende do assunto. O professor William Ury, da Universidade de Harvard (EUA), é reconhecidamente um dos maiores intermediadores de conflitos do mundo e cofundador do renomado programa de negociação da instituição.
Há mais de 30 anos ele tem facilitado o entendimento entre partes em desacordo, tanto em disputas político-geográficas de localidades tempestuosas como Afeganistão e Tchetchênia, como em questões corporativas. Ele foi mediador entre os empresários Jean-Charles Naouri, do grupo Casino, e Abilio Diniz, por ocasião da saída deste do grupo Pão de Açúcar.
Seja na empresa, em casa ou na política, os princípios básicos para chegar a um consenso não variam muito, segundo o especialista. "É preciso mudar o jogo. A negociação não deve ser vista como um processo em que há vencedores de um lado e perdedores de outro. Deve-se alcançar uma solução em que todos ganham", explica Ury, que desembarca nesta semana no Brasil para promover o evento "Caminho da Paz", em São Paulo, e concedeu entrevista exclusiva para o Valor por telefone.
Quem imagina esses embates em territórios delimitados para tal finalidade, com tempo regulamentar pré-definido e árbitros vestidos especialmente para a ocasião, deve se lembrar de que "negociamos todo o tempo, quer gostemos disso ou não". E é nesse frenesi transacional que os líderes muitas vezes se veem entre a cruz e a espada. Afinal, eles têm de tomar decisões considerando seus chefes, as equipes, diferentes departamentos, o conselho, fornecedores e clientes. "Quando pergunto aos gestores quanto dos dias eles dedicam à negociação, eles respondem que mais de 50% do tempo", diz Ury.
Nesse fogo cruzado, em que os executivos geralmente não contam com a ajuda de um expert como o professor da Harvard, é preciso se lançar ao exercício constante de ouvir com atenção e colocar-se na pele do outro. Isso significa "encontrar os genuínos interesses por trás das posições assumidas".
Tal iniciativa requer separar as causas das pessoas. Quando alguém pede um aumento para o chefe, por exemplo, não pode se esquecer de que esse dinheiro não sairá do bolso dele - ele estará ali representando os interesses da companhia. Nesse sentido, ele é mediador entre as razões apresentadas pelo empregado que quer ganhar mais e a alta cúpula que lida com a limitação de recursos. E não importará se ambos, o requisitante e seu superior, torcem para o mesmo time ou dividem horas agradáveis no "happy hour" da sexta-feira. Por trás da figura amistosa do chefe imediato haverá o representante corporativo, responsável por tomar a decisão do reajuste salarial.
Dessa forma, os critérios postos à mesa devem ser os mais objetivos possíveis. Que aspectos, em termos racionais, justificam um aumento, um redimensionamento de recursos, uma transferência, uma promoção ou até mesmo um desligamento? Ury conta que a solução do impasse entre Naouri e Diniz foi uma das que mais o surpreenderam em termos de satisfação dos mediados. "Após um conflito que se arrastava por dois anos e meio, foram quatro dias de negociações para os dois lados perceberem que o que queriam era liberdade e dignidade para seguirem em frente com suas vidas. Foi um desfecho elegante", sintetiza.
Analisar os fatos sob esse viés destituído de julgamentos pré-concebidos requer o "controle das emoções naturais", ensina. Seu método de mediação leva muito em consideração essa necessidade. Trata-se de uma etapa de preparação para a negociação que Ury chama de "sair para a varanda". Segundo ele, isso significa "levar uma parte de sua mente para um lugar de calma e perspectiva, para que possa manter-se atento ao que realmente é importante". Em suma: desligar-se do ego.
Quanto menor a distância entre os pares, mais difícil atingir esse estado de isenção sentimental. "Oitenta por cento dos gestores acham mais difíceis as negociações internas, com colegas e outros departamentos da empresa, que estão mais próximos no dia a dia, do que as externas, com clientes e fornecedores". Por outro lado, Ury diz perceber as negociações relacionadas a ambientes corporativos como menos complicadas que as que envolvem questões políticas. Nestas, ressalta, o tom da conversa logo se aproxima de uma luta por poder, cuja mensuração geralmente é mais problemática que a dos recursos financeiros.
Alocar recursos na companhia, entretanto, muitas vezes também pressupõe uma disputa para saber quem pode mais - qual departamento ou projeto será mais beneficiado. Mas essa visão definitivamente não trilha o caminho da concordância, alerta o mediador. Aqui entra outra metáfora da tática que utiliza. "Muitas pessoas veem a negociação como a divisão de uma torta, em que, quanto maior o pedaço que um dos lados pega, menor o que sobrará para o outro. O segredo é expandir a torta antes da divisão, criando valor para o todo."
Desde que haja essa sintonia entre os envolvidos, a estratégia vale mesmo quando há limitação clara de recursos. Ury cita o caso de uma companhia que, em meio à crise mundial de 2008, via-se às voltas com a necessidade de demitir funcionários. Para que ninguém perdesse o emprego, a solução adotada pelo grupo foi todos tirarem dois meses de férias não remuneradas, com o intuito de aliviar o rombo financeiro da empresa. "Mais tarde, quando a situação melhorou, os profissionais estavam mais fortes do que nunca, unidos por um sentimento de confiança", afirma.
Em tempos de interações virtuais, o professor de Harvard chama a atenção para eventuais ruídos na negociação a distância. "Por e-mail, as emoções comunicadas podem ser mal interpretadas. A mensagem pode parecer seca ou rude, pois não há a linguagem corporal associada."
Romper novas e velhas barreiras para atingir um resultado que satisfaça a todos tem sido a vocação de Ury desde que se formou em antropologia - ele possui PhD na área. O que aprendeu "dos mais notáveis aspectos do comportamento humano" resolveu aplicar no desenlace de divergências.
E os ideais do coautor de "Como Chegar ao Sim" não são modestos. Na quinta edição do evento "Caminho da Paz", que acontece no próximo sábado, cerca de oito mil pessoas se inscreveram para percorrer, caminhando ou correndo, um trajeto de sete quilômetros que começa em frente ao Clube Atlético Monte Líbano. O evento faz parte de um projeto global da ONG Iniciativa Caminho de Abraão, criada pelo professor. O objetivo da organização é promover a convivência pacífica entre os povos e revitalizar o caminho que Abraão percorreu há quatro mil anos, entre a Turquia e a Cisjordânia, para torná-lo um trajeto turístico.
Para Ury, os brasileiros têm muito a ensinar sobre pacifismo e podem exportar para o mundo seu "espírito de convivência". "O país se desenvolveu muito bem economicamente como uma democracia e, apesar de enfrentarem problemas sérios como o da corrupção, as pessoas têm a habilidade de viver em harmonia. Enquanto árabes e judeus brigam no Oriente Médio, os empresários dessas nacionalidades fazem negócios uns com os outros no Brasil."