Com o alto custo da saúde, representantes do setor do mundo todo estão se voltando para a atenção médica primária, a fim de controlar essa despesa que tem reajustes muito acima da inflação. No ano passado, a média mundial da inflação médica (variação do custo médico e hospitalar dos planos de saúde empresariais) foi de 8,4%, para uma inflação geral de 3,1%, segundo a consultoria Aon.
A atenção médica primária ganha ainda mais força porque novos modelos de remuneração, que poderiam baixar os custos, ainda estão em fase inicial de implementação tanto no Brasil quanto nos demais países. A exceção são os programas americanos Medicare e Medicaid, voltados para idosos e pessoas de baixa renda, respectivamente, que remuneram os procedimentos médicos com valor fixo.
"Há uma preocupação comum, seja de representantes de países ricos ou emergentes, com o custo da saúde, acesso e qualidade. Há um foco maior no paciente e acredito que a tecnologia pode ajudar muito a dar mais acesso e reduzir custo", disse Carmen De Paula, diretora de investimentos da International Finance Corporation (IFC), braço do setor privado do Banco Mundial. A IFC promoveu nos dias 27 e 28 em Miami (EUA), um congresso com 450 representantes do setor de saúde de 74 países.
Um dos cases apresentados no evento, que combina prevenção com tecnologia, foi o da Fullerton Healthcare Corporation. A operadora de Cingapura usa carros da Uber para buscar pacientes para consultas de rotina, a fim de evitar que seus problemas se agravem.
Segundo Maureen Lewis, CEO da consultoria americana Aceso Global, as empresas de saúde do mundo todo ainda estão aprendendo a trabalhar com atenção médica primária. Além disso, como ocorre no Brasil os americanos também têm o hábito de ir ao pronto socorro mesmo em casos considerados de pouca urgência.
Há diferentes desafios para adoção de programas de atenção primária. No Egito, segundo Hend El Sherbini, CEO da rede de medicina diagnóstica Integrated Diagnostics Holding (IDH), a população não tem o hábito de fazer exames, o que atrapalha ações preventivas - a média no país é de 2,4 exames per capita. No Brasil, a relação é de 17 exames por ano por pacientes.
A Ucrânia, por sua vez, trabalha com um sistema público de saúde com médico de família, mas essa plataforma é regional. "Estamos mudando nosso sistema, porque quando um paciente mudava de cidade, todos os dados eram perdidos", disse Ulana Suprun, ministra da saúde da Ucrânia.
Maurren, da Aceso Global, citou como exemplos de empresas que conseguem controlar os custos com atenção médica primária as brasileiras NotreDame Intermédica e Prevent Senior e a americana Kaiser Permanente. As três têm redes verticalizadas de atendimento. A Kaiser Permanente é referência mundial de operadora de plano de saúde que administra seus custos com atendimento médico gerenciado - e tem mais de 12 milhões de usuários nos EUA. Para efeitos de comparação: todo o mercado brasileiro tem 45,5 milhões de usuários de planos. "A Kaiser Permanente faz um controle de seus pacientes, mas oferece um atendimento médico integrado. O índice de satisfação dos pacientes é altíssimo", disse Maureen.
Durante o evento da IFC, os presidentes da NotreDame Intermédica e Prevent Senior foram muito procurados por estrangeiros. "Eles querem conhecer in loco nosso modelo, entender como trabalhamos", disse Irlau Machado, presidente da NotreDame Intermédica, que tem 2,3 milhões de usuários. Machado contou em sua apresentação que ao fechar novos contratos a operadora faz uma análise detalhada do perfil dos usuários e acompanha sistematicamente pacientes com doenças crônicas. Ele disse que conseguiu reduzir em 45% o número de partos prematuros em casos de gravidez de risco.
A Prevent Senior, operadora especializada no público da terceira idade, com 450 mil usuários, tem um trabalho bastante focado em prevenção. A operadora viu seu lucro líquido saltar 73,5% em 2018, principalmente devido à adoção de um sistema que permite agendar e fazer exames antes mesmo da consulta de rotina. Houve uma redução de gastos com as consultas que serviam apenas para o pedido desses exames. "Isso só é possível porque há um acompanhamento constante do paciente", disse Fernando Parrillo, presidente da Prevent Senior. A operadora deve abrir dois hospitais e dois centros clínicos este ano.