Finalizado às pressas para ser apresentado como uma das respostas do governo aos protestos de junho, o programa Mais Médicos - principal vitrine eleitoral da presidente Dilma Rousseff - pode afetar a saúde das contas públicas. Há cerca de duas semanas, o secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, afirmou em uma reunião a portas fechadas que o programa pode gerar um "rombo fiscal".
A declaração foi feita no dia 15 de outubro, durante uma reunião convocada pela ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, com parlamentares das bancadas da Região Norte, para discutir a proposta de emenda constitucional (PEC) que indeniza os "soldados da borracha", no valor de R$ 25 mil para cada beneficiário.
Conforme relatou ao Valor um dos participantes da reunião, Gabas ponderou que não poderia elevar o valor das indenizações porque "não havia mais dinheiro", já que o governo enfrentava um "problema fiscal" com o pagamento imprevisto da contribuição previdenciária dos profissionais do Mais Médicos.
Segundo a mesma fonte, Gabas explicou que a Previdência e o Ministério da Saúde avaliavam que a remuneração dos profissionais era uma "bolsa", sobre a qual não incidia a contribuição. No entanto, um parecer da Secretaria da Receita Federal estabeleceu que a bolsa-formação paga aos médicos contratados pelo programa tem natureza de salário, e não admitiu renunciar a essa fonte de receita.
De acordo com a chefe do Departamento de Contribuições Sociais, Previdenciárias e de Terceiros da Receita Federal, Carmen Araújo, o Ministério da Saúde consultou a Receita sobre o assunto apenas após o envio da medida provisória ao Congresso. "A Receita informou que [a contribuição previdenciária] incidia", afirmou.
A Lei 12.871, de 22 de outubro de 2013, que instituiu o programa, prevê o enquadramento dos médicos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como contribuintes individuais. Ou seja, eles arcarão com 11% da remuneração até o teto de contribuição, que é de R$ 4.159, cabendo à União suportar os demais 20% do encargo patronal.
Com isso, o salário do médico passa dos R$ 10 mil brutos para R$ 9.542,51, já que a contribuição do profissional para a Previdência será de R$ 457,49. Contudo, o gasto mensal do governo com os médicos será de R$ 12 mil, já que a alíquota da contribuição patronal leva em conta o salário cheio.
Procurado, o Ministério da Previdência não quis comentar o assunto, alegando que a arrecadação do tributo cabe à Receita Federal. Contudo, a partir de dados oficiais já divulgados sobre o programa, é possível calcular um valor mínimo estimado do rombo de que fala Gabas. Até o fim do ano, o governo prevê 7,5 mil médicos em atividade. Considerada a diferença de R$ 2 mil entre o valor bruto do salário e a parcela previdenciária devida pelo governo, a despesa adicional pode chegar a R$ 15 milhões neste ano. Essa conta exclui a ajuda de custo para fixação dos médicos no local de trabalho - que vai de R$ 10 mil a R$ 30 mil.
A lei exclui da obrigação os médicos selecionados por convênios com organismos internacionais, como os cubanos, e aqueles filiados a regime de seguridade social no país de origem. O Ministério da Saúde, acionado na última quinta-feira, não retornou até o fechamento da edição.