Usuários, prestadores de serviço e operadoras de saúde: o match perfeito é possível?
13/02/2019

A série inglesa Black Mirror, que trata da relação entre humanos e tecnologia em um futuro distópico não muito distante, é um fenômeno entre a geração millennial. Não é difícil entender o motivo de tanto sucesso: os episódios não tratam do futuro. Apenas exageram medos que muitos de nós já têm no presente — solidão, adequação a padrões sociais e estéticos, ansiedade.

Em sua temporada mais recente, lançada em dezembro de 2017, um dos temas explorados pela série foi a possibilidade de um aparelho prever a duração dos relacionamentos, desde o primeiro encontro. Os impactos sobre os protagonistas são, no mínimo, sombrios. Quase ao mesmo tempo, em janeiro de 2018, só que no mundo “real”, um site de namoros teve anúncios banidos do metrô de Londres por afirmar que seu algoritmo era melhor que o destino.

As duas situações tratam da busca pelo match perfeito e mostram que, mesmo com a ajuda da tecnologia, esse é um resultado bastante difícil de ser alcançado. Parece estranho falar disso em um artigo sobre os maiores desafios enfrentados pelos gestores de operadoras de saúde? Pois convidamos você a continuar lendo para entender que história é essa.

Quem será o fiel da balança?

A expressão inglesa “to match”, que pode ser traduzida como “combinar”, popularizou-se em países de todos os idiomas após o lançamento do aplicativo de encontros românticos Tinder, em 2012. Por meio de variáveis geográficas, fotos e interesses pessoais, o app aponta perfis que seriam mais próximos de um match com o usuário. Só que match quer dizer também corresponder, equiparar.

O que isso tem a ver com as operadoras de plano de saúde? Hoje, o maior desafio delas é compreender exatamente as necessidades de saúde do usuário e fazer uma entrega de serviços que as atenda em um match perfeito. Ou seja, nem para mais, causando desperdício de recursos, tempo e contribuindo para o aumento das despesas assistenciais; e nem para menos, prejudicando a saúde e a qualidade de vida do usuário.

Enquanto o aplicativo ou o site de namoros apoia-se integralmente nos dados fornecidos pelos seus usuários no sistema, a demanda do gestor de uma operadora é bem mais complexa. É necessário muito equilíbrio e muito mais do que um algoritmo para ser o fiel da balança entre os protagonistas desse desafio da saúde suplementar.

Quem são os protagonistas da história?

Operadoras de planos de saúde habitam um ecossistema altamente regulado, não só pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas também pelos movimentos de judicialização e ações de entidades representantes de profissionais de saúde. No entanto, as normas não impedem que esse arranjo seja caracterizado pelo desequilíbrio, aproximando-se do que a termodinâmica chama de sistema entrópico.

Um dos principais atores desse sistema é o usuário do plano. Ele responde pelo total das receitas das operadoras. Enquanto entidade pagadora, esse usuário quer desembolsar cada vez menos. Ou, pelo menos, deseja que as taxas de aumento em sua contribuição mensal sejam inexistentes ou bastante limitadas.

Por outro lado, esse mesmo usuário não quer ver limites para suas possibilidades de uso do serviço contratado. Somente em 2017, os canais de atendimento da ANS receberam 358,4 mil demandas, sendo 268,1 mil pedidos de informação e 90,3 mil reclamações de consumidores. Nos órgãos de defesa do consumidor, as operadoras estão entre os três segmentos com maior número de reclamações, ao lado de bancos e empresas de telefonia móvel, internet e tv por assinatura.

O sistema é composto ainda por outro protagonista: o grupo responsável pelo atendimento direto ao usuário e que é impactado diretamente por esse conflito. A classe médica é, ao mesmo tempo, prestadora de serviço, integrante de entidades organizadas e a representação de uma profissão indispensável à sociedade.

Marcada por negociações tensas, ameaças de paralisação e reivindicações em relação à defasagem de honorários, a relação entre médicos e operadoras de planos de saúde levou a ANS a estabelecer, recentemente, grupos de trabalho para discutir novos modelos de remuneração na saúde suplementar.

A essa conjuntura, somam-se dados como o da inflação médica, ou Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCHM), indicador utilizado pelo mercado de saúde suplementar. Um estudo realizado em 91 países projetou a inflação médica global para 2017 em 8,2%, enquanto a inflação geral foi estimada em 2,8%. No Brasil, a discrepância dos números se repete, mas em patamar bem mais alto. O índice médico foi projetado em 17,9%, enquanto o geral fechou o ano oficialmente em 2,95%.

Lembra-se da termodinâmica? Pois ela também diz que, quando a entropia em um sistema aumenta, diminui sua capacidade de transformar energia em trabalho.

Qual deve ser a capacidade da operadora de planos de saúde?

Os desafios apresentados pelo cenário da saúde suplementar são anteriores, portanto, à entrega do serviço de saúde em si.

A operadora fica com a função de estabelecer proporcionalidade entre a metade financiadora e a metade usuária de seus clientes e, paralelamente, de atender às expectativas dos prestadores de serviço. Ao mesmo tempo, a ANS estabelece condições regulatórias que acrescentam procedimentos obrigatórios ao rol, sem antes concluir uma discussão sobre despesas e remuneração.

Temos, portanto, um problema complicado, que se relaciona a um dos significados da palavra justiça: um estado de interação em que há equilíbrio razoável e imparcial de interesses, riquezas e oportunidades entre as pessoas envolvidas em um grupo social.

Como se não bastasse, esse impasse entre protagonistas tão complexos é colocado dentro um contexto conturbado, tanto dentro das operadoras quanto em seu ambiente externo. No caso brasileiro, vale lembrar que esse ambiente é pontuado pela carência de acesso a um sistema de saúde eficiente e pela contundente influência das flutuações econômicas sobre o poder aquisitivo dos usuários.

Para o gestor em busca de alternativas que possam ajudá-lo a recuperar a energia empreendedora e enxergar acima das preocupações com as despesas assistenciais e os índices de sinistralidade, ficam os dilemas. Devo ser restritivo? Devo ser generoso? Como me posicionar em um ponto que signifique a distância justa entre um extremo e outro?

Não existe uma receita de bolo, uma fórmula pronta ou um medicamento com dose certa para responder a essas perguntas. Não por acaso, os planos de saúde registraram queda no número de usuários pelo terceiro ano seguido. De acordo com a ANS, mais de 281 mil brasileiros deixaram a saúde suplementar em 2017. Em três anos, a perda acumulada foi de 3,1 milhões de usuários.

Apesar da redução das carteiras, o número de reclamações e de suspensões dos planos não dá sinais de recuo. Além disso, consumidores recorrem ao Judiciário para exigir o custeio de procedimentos não previstos em contrato ou no rol da ANS, aumentando a pressão sobre as operadoras. O match perfeito, portanto, parece cada vez mais longe.

A boa notícia é que, se nos concentrarmos em encontrar a causa dos problemas, e não simplesmente em agir em cima das consequências, a chance de encontrar formas efetivas de transformar esse cenário são muito maiores.

E é esse convite que fazemos aqui. Dos temas discutidos nas séries da Netflix às leis da termodinâmica, a troca de informações e o entendimento do enredo em que estamos inseridos nunca foram tão presentes e necessários para a sobrevivência e a inovação em nosso mundo.

No caso das operadoras de planos de saúde, também não se deve ter medo de fazer as perguntas difíceis. Siga a Infoway nas rede sociais e acompanhe nossas reflexões sobre os desafios da gestão médica, financeira e comercial na saúde suplementar!





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