Descoberto há mais de um século, mal de Alzheimer ainda desafia a ciência
11/02/2019

Alvo de milhares de pesquisas, a doença descoberta há mais de um século ainda não tem um medicamento capaz de agir diretamente em seu curso. Há 114 estudos em andamento, mas nenhum com prognóstico promissor.

Já se passaram 113 anos desde que o alemão Alois Alzheimer enxergou, no microscópio, estranhas manchas que se formavam entre as células do cérebro de uma ex-paciente. Não demorou para que o médico juntasse as peças. A mulher, examinada por ele algum tempo antes, exibia sinais de agressividade, paranoia e perda progressiva de memória. O psiquiatra, então, levantou a hipótese de que alterações cerebrais estavam associadas a sintomas mentais. Desde então, foram publicadas centenas de milhares de artigos científicos sobre esse tipo de demência, investidos trilhões de dólares em pesquisas e realizadas centenas de ensaios clínicos de substâncias com potencial de tratar o mal. Porém, até agora, nenhum medicamento se mostrou capaz de agir diretamente na causa do Alzheimer.

Nos dois últimos anos, drogas consideradas promissoras falharam nas etapas finais dos testes. Na Europa, o projeto cérebro humano financia desse 2013 mais de 100 universidades e instituições, que resultaram em nove ensaios clínicos (com pacientes humanos) de fase II e 12 de fase III em curso, mas as expectativas da comunidade científica são baixas em relação aos resultados. Em todo o mundo, há 114 estudos ativos — a maior parte, nos Estados Unidos —, mas poucos parecem ter potencial de alterar o curso da doença, que, segundo a Associação Internacional de Alzheimer, deverá afetar 75 milhões de pessoas em 2030 e 132 milhões em 2050.

“O fracasso dos ensaios clínicos é tão retumbante que colocou em dúvida a própria teoria sobre como a doença vai danificando o cérebro”, aponta o geriatra Otávio Castello, presidente da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer. Ele destaca que a última vez que se aprovou um medicamento para lidar com a enfermidade neurodegenerativa foi em 2003. Entre 2002 e 2012, foram realizados 410 estudos com seres humanos, sendo 224 deles de fase III, a última antes de a droga ser patenteada e lançada no mercado. “Nenhum funcionou. Foram US$ 1 trilhão para a lata do lixo.”

Desde então, as apostas voltaram-se a três anticorpos monoclonais. Porém, à exceção do aducanumab, que tem demonstrado resultados modestos nos estudos de fase III, previstos para encerrar em 2021, os demais falharam. Em 30 de janeiro, a Genentech, do Grupo Roche, anunciou a descontinuidade em dois ensaios clínicos de fase III com o crenezumab, depois de a substância não ter alcançado os resultados esperados. A farmacêutica informou, porém, que um estudo com essa droga em curso na Colômbia será concluído e que continuará a pesquisar a ação do gantenerumab. Esse último tem mecanismo de ação semelhante ao crenezumab: trata-se de um anticorpo que ataca diretamente as placas beta-amiloide. Atualmente, é testado em dois ensaios de fase 3, o Graduate 1 e o Graduate 2.

Proteína em xeque

A maioria dos medicamentos em teste tem como foco a proteína amiloide, que, quando produzida em excesso, danifica as conexões entre as células nervosas cerebrais, causando problemas de memória e demência. O depósito da substância é geralmente associado ao início do Alzheimer. Em tese, uma substância capaz de impedir esse processo poderia ser a cura para a doença. Contudo, a teoria da cascata amiloide tem sido colocada em dúvida após os seguidos resultados fracassados, ressalta Castello. Não que a proteína não esteja envolvida no processo neurodegenerativo, mas o que as falhas nos testes clínicos sugerem é que ela é apenas parte de um quadro bem mais complexo.

Richard Killick, pesquisador do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College de Londres, segue uma pista que poderá ajudar a resolver essa questão. No fim do ano passado, ele descobriu um mecanismo de retroalimentação na produção excessiva de beta-amiloide. Para o cientista, talvez, isso explique por que as drogas desenhadas para frear o processo estejam falhando. Em um estudo publicado na revista Translational Psychiatry, ele descreve que, quando as placas da proteína que se acumulam nos tecidos cerebrais começam a danificar as sinapses, as células nervosas que estão sendo atacadas passam a produzir mais beta-amiloide, em um ciclo de destruição. “Acreditamos que, uma vez que esse processo saia de controle, já é tarde demais para as drogas que visam a beta-amiloide serem eficazes. Isso poderia explicar por que tantos testes falharam”, afirma.

Olhar genético

Na opinião do neuropsiquiatra Daniel Geschwind, da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), é preciso compreender mais o papel dos genes na neurodegeneração associada à demência para se desenvolver tratamentos eficazes que atrasem ou mesmo interrompam o curso da doença. Em dezembro, ele relatou, na revista Nature Medicine, a descoberta de dois grupos de genes envolvidos em mutações que resultam na superprodução de outra proteína relacionada ao Alzheimer, a tau.

Em estudos com cultura de células humanas e em camundongos, a equipe de Geschwind descobriu que esses grupos de genes são superexpressos no caso de demência frontotemporal, um tipo precoce do problema, o que faz com que produzam a proteína tau em excesso, mecanismo também associado ao Alzheimer e à paralisia supranuclear (condição que afeta a cognição e o movimento). “Desligar” os genes poderia impedir o processo, diz Geschwind. “Há ainda muito trabalho a ser feito para desenvolvermos drogas que possam ser usadas contra esses alvos, mas demos um passo encorajador”, acredita.

Investimento alto

O principal indexador de estudos científicos do mundo, o Pubmed, tem 103.048 registros de estudos contendo a palavra-chave Alzheimer. Já a plataforma brasileira Scielo apresenta 819 referências à doença no banco de dados eletrônicos. Dois grandes projetos mundiais, um europeu e um norte-americano, receberam trilhões de dólares para financiar pesquisas que levem ao tratamento desse tipo de demência. Somente nos EUA, o Congresso autorizou o repasse de US$ 1,9 bilhão por ano até 2025.





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