Nova estratégia de defesa tem ganhado ações nos tribunais brasileiros. No entanto, especialistas culpam ANS por falta de regulamentação
Aos 63 anos, a professora aposentada Coraci Dias Nunes tenta lidar com doenças que os mais de 30 anos em sala de aula trouxeram. Com lesão por esforço repetitivo (LER) nos dois ombros e problemas respiratórios graves causados quando utilizava giz branco, a educadora decidiu fazer um plano de saúde, em 2012, para garantir atendimento médico de maior qualidade.
À época, foi convencida pelo vendedor a optar por um plano coletivo por adesão, ou seja, por ser docente, Coraci poderia entrar em contrato conjunto com os demais profissionais da área. Dessa forma, o valor ficaria mais barato e ela pagaria R$ 352,66 de mensalidade.
No entanto, no ano seguinte, a professora foi surpreendida pelo primeiro reajuste de quase R$ 800. Em 2014, o valor mensal do plano já era de R$ 2.100. “Me avisaram que teria um aumento todo ano no mesmo mês em que assinei o contrato, mas que seria irrisório, e não foi o que aconteceu. Eu não entendo essa mania que o ser humano tem de não se colocar no lugar do outro e não se importar com o que outro passa”, desabafou.
Depois de procurar a operadora SulAmerica várias vezes e não ter nenhum retorno, Coraci Nunes resolveu contratar um advogado. Com a ação, poucos meses depois, o valor da mensalidade foi reduzido em mais de 40%. “Essa situação pela qual passei [de aumentos considerados abusivos] não é um caso isolado, pelo contrário. Tenho muitos amigos professores que passam por isso”, destacou.
O autônomo Kléber dos Santos, de 54 anos, também viveu situação parecida. Segundo o trabalhador, os vendedores da Bradesco Seguros o convenceram a fazer um plano empresarial coletivo por adesão e o contrato foi fechado em 2017 pelo valor de R$ 520. Em 2018, o reajuste anual elevou a mensalidade para R$ 1.050. Com a ajuda de um advogado, em um mês, o preço do convênio médico passou para menos de R$ 600. Uma redução de quase 50%.
Eu me senti feito bobo, como se todo mundo pudesse fazer o que bem quisesse comigo. Eles [a empresa] me ignoravam, sequer ouviam minhas reclamações. Mas foi só uma advogada entrar no meio que eu passei a ter voz”
Plano empresarial x individual
O advogado Kleber Gomes, especialista em direito do consumidor, explica que esses grandes aumentos em planos de saúde na modalidade empresarial ou coletivo por adesão ocorrem porque eles não têm reajustes regulados pela Agência Nacional de Saúde.
“A ANS determina que os planos de saúde individuais não podem sofrer aumentos livres, ou seja, ela solta um portaria todo ano com o valor do reajuste. Só que isso não acontece com o plano empresarial ou coletivo por adesão”, detalha o especialista.
Nesses casos sem regulamentação direta da ANS não há um valor de reajuste a ser seguido pelas empresas. Assim, o consumidor conta apenas com o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a legislação do CDC proíbe “aumentos abusivos”, um termo muito genérico, na avaliação da advogada Denise Martins Costa.
“Dessa maneira, alguns juízes acatavam as reclamações dos clientes e outros não. Alguns magistrados achavam os aumentos abusivos e outros não”, explicou a advogada, que, recentemente, entrou com nova estratégia de defesa que tem dado certo e pode até virar jurisprudência.
“Meu argumento diz que é preciso levar em consideração a essência do contrato. Ou seja, se o aumento do plano individual foi de 15%, porque o empresarial ou coletivo por adesão tem de ser maior se a prestação de serviço é a mesma?”, questiona.
Ainda de acordo com Denise Martins Costa, todas as ações com essa alegação foram acatadas pela Justiça – entre elas, as da professora Coraci Dias Nunes e do autônomo Kléber dos Santos. “O ideal, na verdade, era um posicionamento mais claro da ANS. Ela é omissa ao não regular de maneira clara o plano empresarial/coletivo”, ataca a advogada.
A especialista explica ainda que, sem uma regulamentação clara, é dada às administradoras de planos de saúde uma espécie de “autorização” para aumentar o valor desses planos da maneira que bem entendem. Por isso, segundo Denise, há uma insistência por parte dos vendedores em comercializar o benefício empresarial e por adesão, já que eles são mais lucrativos do que os individuais.
A advogada Denise Martins Costa criou uma estratégia de defesa para diminuir os reajustes dos planos de saúde
“Aqui no DF, se alguém tentar contratar um plano individual, posso dizer que não consegue. Assim, você só consegue ser cliente de um plano empresarial ou coletivo por adesão, este último é ainda mais comum”, completa Kleber Gomes.
O especialista recomenda que, caso se sinta lesado, o consumidor deve procurar um advogado de sua confiança. Quem não puder arcar com a contratação de um profissional, pode pedir ajuda também ao Instituto de Defesa do Consumidor (Procon). No Distrito Federal, só no ano passado, foram abertos 540 atendimentos contra planos de saúde no órgão. Em 2017, o número foi ainda maior: 751 reclamações.
Outro lado
Procurada, a Agência Nacional de Saúde informou que, nos contratos coletivos com mais de 30 consumidores, “os percentuais são definidos por meio de negociação entre a pessoa jurídica contratante e a operadora, o que tende a resultar na obtenção de percentuais mais vantajosos para a parte contratante”.
“A ANS esclarece ainda que para avaliar um índice de reajuste deve-se levar em conta fatores como o valor inicial da mensalidade, a sinistralidade da carteira e o cálculo atuarial feito pela operadora”, completou a agência.
Já a SulAmérica, operada responsável pelo plano de saúde da professora Coraci Nunes, afirmou que “os reajustes aplicados aos planos da companhia estão em conformidade com as regras estabelecidas pela ANS e os contratos firmados entre as partes”. A Bradesco Seguros, operadora do autônomo Kléber dos Santos, não respondeu aos questionamentos da reportagem.