A transparência e a forma como a empresa se comunica com o mercado é, sem dúvida, um dos pontos-chave das práticas de governança corporativa. Dos 115 tópicos que compõem o código das melhores práticas formulado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), oito são considerados imprescindíveis e dizem respeito a itens que mexem com transparência, gestão e processos. Hoje somente 647 empresas estão listadas na Comissão de Valores Mobiliários e publicam periodicamente seus balanços financeiros. Todas elas, por exigência do órgão regulador, possuem auditores independentes. Também a cada cinco (ou dez, em alguns casos) anos há a obrigação do rodízio entre os auditores contratados.
De olho não só nesse rodízio, mas em um número cada vez maior de pequenas e médias empresas que precisam organizar seus processos e controles internos, receber fundos de private equity, acessar o mercado de capitais ou mesmo participar de fusões e aquisições, as auditorias e consultorias enxergam aí um nicho importante. "Enquanto no Brasil há 364 empresas com ações cotadas, o Canadá tem 4 mil, a Inglaterra 3 mil e a Índia 6 mil. Ou seja, o Brasil tem muito a crescer", diz Ivan Clark, sócio-líder em mercado de capitais da PwC.
E se por um lado, o país pode ser um dos mais sofisticados do mundo em termos da qualidade de seu padrão contábil, por outro, a extensão de empresas que o adota ainda é considerada ínfima. O país saiu na frente na adoção, em 2010, do International Financial Reporting Standards (IFRS), padrão global de contabilidade, se comparado a outros emergentes. Mas do ponto de vista quantitativo, o Brasil está atrás da Argentina, México e Chile no número de empresas auditadas. Pesquisa feita por Charles Holland, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) e conselheiro da TOTVS e Gol, mostra a relação auditor versus habitantes ao redor do mundo. A Holanda tem um dos melhores índices: um auditor para cada 899 pessoas, na Inglaterra há um auditor para cada 1,1 mil habitantes, nos EUA, um para cada 2,1 mil pessoas e no Brasil nada menos do que um auditor para cada 20 mil brasileiros.
São 10 mil auditores independentes e 112 empresas de auditorias cadastradas ao Ibracon. "Quanto mais auditado o país, mais ético ele é", afirma Holland.
Levantamento feito pela Deloitte com 76 empresas sobre o atual estágio de governança no Brasil, e divulgado com exclusividade pelo Valor, indica que as empresas se mostram cada vez mais conscientes da importância da criação de uma estrutura de governança, mas encontram entraves na aplicação prática desse conceito.
O estudo considerou companhias de todos os portes e de diferentes setores. "Algumas empresas de capital fechado não conseguem enxergar os reais ganhos em se adotar tais práticas e deixam de vê-las como investimento. Outras, que querem fazer IPO, têm dificuldades de abrir mão do poder", avalia Camila Araújo, sócia-líder do centro de governança corporativa da multinacional.
As empresas foram avaliadas nas oito principais dimensões da governança: diretrizes estratégicas, estrutura e organização, plano de negócios, processos e sistemas, gestão de riscos, comunicação e informação, supervisão e controle e gestão do desempenho.
Na análise da executiva da Deloitte, bastaria olhar para alguns números disponíveis no mercado para perceber os ganhos ou comparar os desempenhos do Ibovespa (principal índice da Bolsa) com o do IGC (Índice de Governança Corporativa) de 2001 para cá. "Neste período, o IGC chegou a ter desempenho 120% maior do que o Ibovespa. Outra coisa que percebemos é que o investidor não se importa em pagar um prêmio maior pelas ações de empresas que possuem práticas sofisticadas de governança, pois reconhece o valor delas", afirma Camila.
Fica evidente também a falta de clareza de algumas firmas em relação a algumas práticas já adotadas. Em muitas delas é possível ver o presidente executivo ocupar paralelamente a cadeira de presidente do Conselho de Administração. O Novo Mercado, grupo de companhias listadas na BM&FBovespa que adotam as mais avançadas medidas de governança, prevê a separação entre os dois cargos para que possa haver independência entre eles. 41% das empresas também disseram não possuir conselheiros independentes.
"As maiores dificuldades são com as práticas de transparência. Isso porque as sociedades anônimas, como o próprio nome diz, tinham e têm dificuldade em querer informar o mercado e não querem se expor demais à concorrência", afirma Carlos Portugal Gouvêa, sócio da Levy & Salomão Advogados e professor de governança corporativa na USP.