O aumento de 70% da frequência de uso do sistema de saúde suplementar foi o principal responsável pelo acréscimo de R$ 49 bilhões nos gastos do setor entre 2012 e 2017, já descontada a inflação do período, de acordo com estudo encomendado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). Esse foi um dos temas debatidos durante o 6º Congresso Nacional de Hospitais Privados, em São Paulo, entre 7 e 9 de novembro.
O estudo foi contratado justamente para saber de onde vinha esse incremento de custo, que já havia gerado, por exemplo, reajuste das mensalidades de planos de saúde. “O aumento na frequência do uso traduz o sistema atual, com um modelo assistencial que não possui porta de entrada organizada, em que pacientes buscam consultas na emergência, não têm sistema de acompanhamento, nem prevenção”, avalia a diretora executiva da Anahp, Martha Oliveira.
Outros fatores que podem explicar esse aumento, segundo ela, é o envelhecimento populacional, a crise econômica – em que as pessoas passam a usar mais os planos com medo de perdê-los –, e a oferta de novas tecnologias, que possibilitam a realização de novos exames. Martha ressalta ainda que a intenção do estudo não foi apontar o dedo para nenhuma das partes, muito menos para o paciente. “Ele é mais refém desse sistema que construímos nos últimos 40 anos. Agora, precisamos construir um novo, com melhor modelo assistencial e de remuneração, melhor articulação entre sistema público e privado, maior uso de novas tecnologias e diminuição da desconfiança entre as partes que compõem o setor”, avalia.
O estudo aponta ainda que entre 2012 e 2017, apesar do baixo crescimento no número de usuários (0,7%), o número de eventos por beneficiário passou de 21 para 28 por ano. O diretor de Operações do Hospital Mater Dei, José Henrique Salvador, acredita que os dados mostram uma ineficiência na gestão do setor, que passa pela falta de investimento em saúde primária. Entre as soluções apontadas por ele está a informatização dos dados.
“Temos muita coisa desestruturada. As informações dos pacientes precisam estar disponíveis. Isso evita, por exemplo, novos exames, que geram custos”, avalia. Para ele, a tecnologia pode ajudar ainda no avanço da telemedicina, pois o paciente não precisaria ir ao hospital e especialistas de ponta conseguiriam atender pessoas que vivem no interior do Brasil.
Outra sugestão de Salvador é investir em qualidade ambulatorial e transferência de risco das operadoras para hospitais. “Defendemos também o modelo de pagamento por pacote e diárias globais. Acreditamos no amadurecimento do setor. Também avaliamos que precisa haver uma maior participação dos hospitais no processo todo, não apenas quando o paciente está internado lá”, diz.
Entre as operadoras, a percepção é que os custos do setor aumentaram, mas as receitas não. O vice-presidente de saúde e odonto da Sul-América, Maurício Lopes, sugere uma saúde mais resolutiva com custo cabível. Para isso, ele defende que no futuro os hospitais sejam pagos por resultado e não mais pelo serviço ou pelo pacote. “É o modelo de pagamento pelo desfecho, em que o conjunto de médicos, assistente, operadora e hospital vão receber para dar desfecho de melhor qualidade”.
A presidente do conselho da Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica), Claudia Cohn, afirma que as informações da pesquisa convocam prestadores de serviço, operadora e população para discutir a partir de dados. “A prevenção é um recurso intangível. Já a incorporação tecnológica tem que ser usada de forma correta, para evitar custos. Temos que buscar a eficiência”, acredita.
Exemplos Internacionais
O presidente da KPMG Global Health, Mark Britnell, lembra que não existe sistema de saúde perfeito. “O importante é aprender com os melhores exemplos do mundo, não de apenas um país”, diz. Ele cita o exemplo de Israel, onde as consultas pediátricas são feitas por celular. “No Brasil, isso não ocorre porque as leis impedem isso. Mas nunca vi um hospital particular perder dinheiro assim”, afirma. Britnell estima que o mundo vai precisar de mais de 8 milhões de trabalhadores de saúde para atender a demanda atual. “Não vamos produzir isso. Temos que deixar de pensar como antes e abraçar a tecnologia”, considera.
Para ele, o paciente deve decidir onde será atendido. “No Brasil, vocês precisam implementar parcerias público-privadas. Aqui há o segundo maior mercado de planos de saúde do mundo.
O setor privado pode ter um papel importante no novo governo, como por exemplo, ajudar na criação de um registro único de pacientes. Essas parcerias aumentam o acesso a população. Elas são riscos ou oportunidades”, avalia.
O presidente da KPMG Global Health lembra que o caso do Brasil é específico, pois a população vai crescer e os subsídios estão congelados. “Não tem saída. É preciso confiança e transparência entre setor público e privado e deixar de lado diferenças ideológicas, direita e esquerda, e colocar o paciente no centro”, afirma.
Leandro Reis, vice-presidente da Rede D’OR, reforça que existe uma carência de dados nacionais. “Precisamos parar de discutir agenda importada e nos dedicarmos a adaptar estudos nacionais”, diz. Ele acredita que inflação centrada na frequência vai exigir gestão populacional e não mais individual. “Essas ferramentas de gestão eletrônica do paciente trazem luz para enfrentar esse aumento de custo”, afirma.
O setor privado pode ter um papel importante no novo governo, como por exemplo, ajudar na criação de um registro único de pacientes.
Mark Britnell – Presidente Da Kpmg Global Health
“Precisamos construir um novo, com melhor modelo assistencial e de remuneração, maior articulação entre sistema público e privado, melhor uso de novas tecnologias e diminuição da desconfiança entre as partes que compõem o setor”
Martha Oliveira – Diretora Executiva Da Anahp