A oferta do Brasil de abertura de mercado em um acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia (UE) sofreu abalos e resistência de ultima hora, comandados pela ação política de um ministério pouco envolvido nesse tipo de negociação: o Ministério da Saúde.
O Valor apurou que a oferta brasileira estava pronta para ser submetida à aprovação da Câmara de Comércio Exterior (Camex), em meados de setembro, mas a decisão foi adiada devido à intervenção do ministro Alexandre Padilha. Pré-candidato do PT ao governo do Estado de São Paulo, Padilha usou sua influência no governo para tentar obter a retirada da lista de liberalização de produtos vinculados ao setor de saúde, incluindo equipamentos para o setor.
O tema é tão sensível que poucas pessoas aceitam tocar no assunto. Oficialmente, o adiamento da reunião da Camex foi necessário por causa das viagens do novo ministro das Relações Exteriores, Luiz Figueiredo, a Washington e Buenos Aires, no mês passado. A Camex marcou nova reunião para amanhã para examinar a oferta brasileira. O ministro da Saúde não faz parte da Camex.
No nível técnico, a oferta está fechada e sem divergências. Aparentemente, após a resistência de Padilha, não entrou nem saiu nada da lista de liberalização. No entanto, durante a reunião, os ministros membros da Camex poderão fazer suas considerações políticas. Por isso, ninguém na Esplanada dos Ministérios se arrisca a apostar que nada mudará no documento.
O resultado do pedido do Ministério da Saúde, se atendido, é simples: sem produtos do setor de saúde, o Brasil não consegue fazer uma oferta cobrindo pelo menos 90% do comércio, como foi acertado com os europeus. Ou seja, não só a oferta fica em risco, mas também o desbloqueio da negociação.
A resistência do Ministério da Saúde deflagrou um sinal de alarme entre alguns empresários. Afinal, depois de muito tempo o setor privado deu uma reviravolta e passou a apoiar o acordo Mercosul-UE. O setor de eletrônica, antes um dos mais protecionistas, agora é a favor da negociação, para surpresa de outros segmentos industriais.
A oferta brasileira, fechada antes da interferência do Ministério da Saúde, previa eliminação das tarifas de importação para cerca de 80% do comércio com os europeus no prazo de dez anos. Os outros 10% envolvem setores considerados sensíveis, como automotivo, químico, máquinas e equipamentos, com prazo de 15 anos para a alíquota chegar a zero no comércio com os europeus.
Uma vez aprovada a oferta brasileira, internamente, ela será levada para negociação no Mercosul, para a oferta final do bloco. Na verdade, haverá dois ritmos, porque a abertura do mercado argentino será mais lenta que a dos parceiros. A Argentina tanto pode escolher entre ter uma lista diferente de produtos a serem liberalizados, ou ter mais prazo para abrir seu mercado. É a maneira de acomodar o governo de Cristina Kirchner.
Depois de muito tempo sem fazer nada, o governo argentino começou a ouvir alguns setores, como químicos e siderúrgicos, para fazer sua oferta. A Venezuela surpreendeu positivamente, ao não complicar. Não fará oferta, alegando que é novo no Mercosul, mas tampouco colocou empecilhos na negociação até agora.