Companhias levam áreas de inovação para coworkings
01/11/2018
Alocar parte das equipes ou até departamentos inteiros em espaços de coworking é uma estratégia cada vez mais adotada pelas grandes empresas. Em uma tentativa de mergulhar no ecossistema das startups - e entender como elas conseguem inovar tanto e tão rapidamente -, companhias tradicionais têm alugado estações de trabalho nesses locais. "Algumas empresas perceberam que a experiência inversa, de levar as startups para dentro da corporação tradicional, enjaula as startups e muitas não vão para frente, porque ideias nascentes precisam de liberdade", afirma Gilberto Guimarães, professor do MBA em gestão de recursos humanos do Ibmec. Para o acadêmico, as grandes empresas estão indo para o ambiente das startups não pelo espaço do coworking em si. "Coworking é uma maneira diferente de pensar", diz.

Em busca dessa liberdade de pensamento, a consultoria EY aluga um espaço no WeWork da Vila Olímpia, em São Paulo, há mais ou menos um ano e meio. O local, por sinal, fica bem próximo da sede da companhia na capital paulista. "As pessoas ficam parte do tempo no coworking e vão muito na sede da empresa também, porque temos um espaço de inovação dentro da EY", explica Denis Balaguer, diretor do centro de inovação da EY Brasil.

Quatro pessoas da área de inovação da EY ficam nesse vai-e-vem. É a equipe que se debruça em engenharia avançada para desenvolver novas tecnologias. Para Balaguer, o espaço de coworking favorece o florescimento de novas ideias por diferentes razões. Uma delas é a exposição ao ambiente de tecnologia. "É importante estar em um local onde há outras empresas de tecnologia trabalhando, porque encontramos pessoas que estão lidando com problemas tecnológicos semelhantes", diz. Além disso, no coworking a EY tem um espaço que funciona como laboratório. "O modelo de escritório da EY não tem salas nem mesas fixas, e para trabalhar com desenvolvimento de sistemas precisamos de um ambiente mais estável, seja para usar no processo de desenvolvimento visual do produto ou mesmo para manter os computadores fixos em uma mesa."

Além da equipe de inovação, o espaço da EY na WeWork também é ocupado esporadicamente por executivos das áreas de negócio da consultoria. "Queríamos que esse espaço fosse uma alavanca de transformação cultural de inovação", diz Balaguer. Para isso, reuniões passaram a ser feitas ali, principalmente quando é necessário unir as áreas de inovação e negócios no desenvolvimento de um novo projeto. "É uma forma de promover a integração da cultura de startup com a cultura da EY."

A empresa de energia EDP também transferiu oito pessoas de seu departamento de inovação para um dos espaços da WeWork. "No coworking compartilhamos espaço com outras empresas, e o ambiente mais despojado favorece a troca e a inovação", explica Luis Carlos Gouveia, diretor de transformação da EDP. Com o nascimento do programa EDP Starter, uma aceleradora de startups que apresentam soluções para o setor de energia, a multinacional decidiu fazer a mudança de ambiente. "Não daria para desenvolver novas empresas com mentalidade aberta e ágil em uma empresa mais estruturada como a EDP", afirma Gouveia.

Passados quase três anos da mudança, o executivo vê o impacto do ambiente de coworking com bons olhos. "Nos cafés há muita troca entre as pessoas, e isso muda a mentalidade dos colaboradores", diz. "Percebemos que eles têm hoje uma visão mais aberta para novas ideias. Quando a equipe fica somente no escritório da companhia também existe influência, mas ela é mais homogênea. No coworking encontramos gente de outros setores e conhecemos as práticas e ideias que estão surgindo. Isso abre a cabeça."

Como a iniciativa deu certo, no começo de 2017 mais uma leva de funcionários da EDP migrou para o coworking, desta vez para trabalhar no desenvolvimento de um projeto específico: a fusão de duas áreas da empresa, o RH e a transformação organizacional. O objetivo era estruturar um novo modelo de gestão, que trabalharia de forma mais horizontal e menos hierárquica. "Todas as reuniões foram feitas no coworking, porque é um ambiente que favorece pensar fora da caixa", afirma Gouveia.

Mesmo caminho seguiu a Alelo, bandeira de cartões especializada em benefícios de alimentação, cultura, transporte e saúde. Desde fevereiro, três pessoas do seu time de inovação ficam alocadas no InovaBra Habitat, próximo à Avenida Paulista, em São Paulo. Apesar de haver uma equipe que trabalha de forma permanente no espaço de coworking, as estações estão abertas a outros funcionários. "Estimulamos que eles usufruam do espaço para fazer reuniões de área, com fornecedores e até passarem o dia por lá", diz Helio Barone, diretor de planejamento estratégico da Alelo.

Para o executivo, em função do momento de transformação digital vivido pela Alelo, faz todo sentido colocar um pé no espaço de coworking. "O contato com novas tecnologias e startups tem sido fundamental neste processo", explica. "A expectativa é que a proximidade com esse ecossistema seja uma relação de troca importante. Ao mesmo tempo em que nos traz insights para novos produtos, serviços e melhorias em tecnologia, serve para compartilharmos experiências de mercado com esses empreendedores." Segundo ele, é uma forma de estimular nos funcionários da Alelo a mentalidade de inovação.

Há ainda quem opte por transferir um time ainda maior para o coworking. Foi o que fez a CI&T, especializada em levar transformação digital para as empresas. Com sede em Campinas, no interior paulista, a multinacional brasileira transferiu toda a equipe de São Paulo para um coworking recém-inaugurado no bairro de Pinheiros. "É um ecossistema de inovação e ali nos conectamos com grandes oportunidades", diz Marcelo Trevisani, chief marketing officer da CI&T. Em Nova York, nos Estados Unidos, e no Rio de Janeiro os escritórios da companhia também ficam em espaços de coworking. "A conversa de corredor e os workshops nos ajudam a compreender o ecossistema e inovar, e acabamos levando isso para os nossos clientes."
Na multinacional WeWork, que tem 11 espaços de coworking em duas cidades do país - Rio e São Paulo -, as companhias com mais de mil funcionários já ocupam cerca de 30% dos estações de trabalho. "São empresas que querem proporcionar uma experiência diferente para os funcionários e também há aqueles que buscam inovação aberta", diz Lucas Mendes, diretor geral da WeWork no Brasil. "Nesse último caso, o espaço de coworking favorece a conexão com o que está acontecendo no mercado. É uma forma de absorver as boas práticas e as tecnologias das startups, que não são necessariamente do mesmo setor das grandes companhias."

Na Gowork, empresa brasileira com 12 espaços de coworking em São Paulo, 40% das estações de trabalho são ocupadas por grandes companhias. "É uma tendência que a gente vem observando desde 2016", diz Fernando Bottura, fundador da Gowork.

No Impact Hub, outra multinacional de espaços compartilhados presente no Brasil, as grandes empresas ocupam cerca de 30% das estações de trabalho. No país desde 2007, a Impact Hub tem foco em negócios de impacto social e esse tipo de empresa ocupa mais de 70% dos espaços. As grandes que procuram o Impact Hub, por sua vez, chegam ali em busca de conexão com esse tipo de mentalidade. "Acreditamos que as grandes empresas fazem parte da mudança", diz João Vitor Caires, diretor de programas e projetos do Impact Hub. "Ao ter as grandes organizações em nossos espaços, vemos como uma forma de influenciar as práticas das grandes organizações em direção a um impacto social positivo."

Quem busca a aFlora Comunidade, espaço de trabalho compartilhado recém-inaugurado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, também quer algo além de um ambiente agradável e que favoreça a inovação. Na aFlora, existe um olhar diferenciado para o desenvolvimento humano e o cuidado com as pessoas. "Criamos condições para as pessoas terem qualidade de vida no trabalho", explica Marcelle Martins, cofundadora da aFlora. Para isso, o espaço oferece duas sessões diárias de meditação, restaurante natural com dieta baseada em legumes, vegetais, cogumelos e grãos e florais à disposição dos frequentadores. "A aFlora é um modelo que transcendeu o coworking, nos enxergamos como uma comunidade com foco em um estilo de vida e queremos unir as pessoas em torno disso", diz Marcelle.

Uma das organizações que aluga dez estações de trabalho no aFlora é a TriCiclos, empresa B certificada presente em cinco países da América Latina. Com foco em desenvolver a economia circular, a TriCiclos apresenta soluções para produção, consumo e descarte de resíduos. Para Daniela Lerario, CEO da empresa, o espaço, além de ter arquitetura e design agradáveis, traz uma oferta de valor agregada. "As pessoas se sentem mais bem cuidadas", resume.

Ela, como líder de equipe, diz precisar ter jogo de cintura para lidar com os diferentes perfis de funcionários. "Tem pessoas pouco adeptas às práticas oferecidas e outra que vão a todas as sessões de meditação", afirma. "Nunca imponho que o colaborador participe, é preciso ter a empatia de saber respeitar o outro. Cada um tem o seu momento. Para quem já está preparado, é um aprofundamento na jornada de autoconhecimento, para os que não estão, é um lugar cuidadoso com as pessoas."
Em um modelo diferente, a construtora e incorporadora Cyrela criou seu próprio espaço de coworking, que ocupa um andar inteiro em um dos prédios da companhia na cidade de São Paulo. A ideia inicial era se aproximar das startups que pudessem aportar inovação ao mercado imobiliário. "Criamos um espaço, em parceria com outras empresas, para dar suporte às novas empresas que possam contribuir com o setor da construção civil", diz Juliano Bello, diretor administrativo da Cyrela.

Além de hospedar as startups e dar suporte a elas, o coworking influenciou na transformação digital da Cyrela, já que cerca de dez funcionários da incorporadora trabalham ali. "O contato com a inovação aberta, a cocriação e a união das pessoas de diferentes empresas melhora os processos e os produtos da própria Cyrela", diz Bello. A adaptação, no entanto, não se deu do dia para a noite. "A gente vem trabalhando nisso há cerca de três anos e, como muitos projetos iniciais não vão para frente, é preciso absorver a cultura de entender que a frustração também contribui para o desenvolvimento", conclui.

 
Fonte: Valor




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