Você já passou dos 50 ou 60 e começa a preencher um questionário com seus dados de saúde. Ou está na frente do doutor para uma primeira consulta. Já pensou quantas vezes teve que repetir as mesmas informações? Não seria muito melhor se houvesse um único arquivo que, mediante sua autorização, pudesse ser acessado e disponibilizasse o histórico de suas doenças, medicamentos de uso contínuo, hospitalizações e cirurgias? O volume de informações desperdiçadas é gigantesco: se trocou de médico, deixou para trás anos de conversas importantes, de resultados de exames – coisas das quais nem se lembra mais. Se perdeu o emprego e ficou sem plano de saúde, também corre o risco de ter que buscar outra rede de especialistas e começar do zero. Até mesmo se foi atendido num pronto-socorro, aquele episódio provavelmente vai se perder, embora faça parte do quebra-cabeça da sua existência.
A tecnologia para viabilizarmos essa realidade já existe, como explicou Henrique Von Atzingen do Amaral no 4º. Fórum de Saúde Suplementar, realizado semana passada no Rio e que foi objeto da coluna de terça-feira. Líder do ThinkLab, grupo que trabalha as iniciativas de inovação da IBM, ele afirmou que a solução pode estar na rede blockchain, mais conhecida pelas criptomoedas, como o bitcoin. Blockchain, que em tradução literal significa corrente de blocos, é uma espécie de livro contábil, cujos registros estão espalhados por diversos computadores – por isso a informação não fica “presa” num só local. “O banco de dados estararia disponível para todos”, disse Henrique, “e as informações poderiam ser acessadas por hospitais, operadoras de saúde, médicos, laboratórios, desde que houvesse o aval do paciente”. Na sua opinião, as pessoas dão sinal verde para esse compartilhamento em troca de melhores serviços e soluções rápidas para problemas: “as palavras são conveniência, relevância, segurança e controle”, resumiu.
Esse seria um grande passo para enfrentar o que os participantes do evento chamaram de desorganização da cadeia de assistência, ou seja, o paciente seria mais bem atendido – e haveria menos desperdício – se todos os dados disponíveis sobre ele estivessem centralizados num só documento e pudessem ser acessados eletronicamente. Flavio Bitter, diretor gerente da Bradesco Saúde, lamentou que a discussão sobre o cadastro único se arraste há de mais de uma década: “isso perpetua os silos da saúde, há informações que estão no ambulatório da empresa, outras na clínica popular e assim por diante. Sem um fluxo de informação, o paciente é visto como uma sucessão de episódios, como se não tivessem ligação entre si”.
Há duas questões que envolvem esse compartilhamento. A primeira diz respeito aos médicos, a maioria deles refratária a esse movimento. Como lembrou Franklin Padrão, diretor-presidente da Golden Cross, “a formação dos médicos ainda é voltada para a decisão solitária”. Ele acrescentou que o sistema de saúde suplementar está ancorado no pagamento por procedimento, e não por diagnóstico, o que dificulta a mudança de enfoque: “a doença tem diferentes tipos de tratamento e com um prontuário universal é possível saber qual a enfermidade principal e quais são as comorbidades”. A segunda questão está atrelada à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que entrará em vigor ano que vem. Os cidadãos poderão saber como empresas públicas e privadas tratam seus dados – e terão direito à revogação, portabilidade e retificação deles. Será preciso convencer a sociedade de que as informações não serão utilizadas contra os indivíduos. Por último, mas não menos importante, é preciso lembrar que 75% dos idosos se valem apenas do Sistema Único de Saúde, e muitos recebem um atendimento superficial aquém de suas necessidades, mas mesmo esses se beneficiariam se todo o seu histórico estivesse acessível.