Em Santo Antônio de Posse, no interior de São Paulo, estão adiantados os preparativos para a chegada da médica cubana que a cidade receberá nas próximas semanas por meio do Mais Médicos. O Ministério da Saúde informou que ela se chama Silvia e, embora isso seja quase tudo o que se sabe dela, o nome já ocupa as conversas no posto de saúde da família Benedicto Alves Barbosa, o Popular, que atende 5 mil famílias de quatro bairros, e será o local onde a médica atuará oito horas por dia.
"Não sei nem a idade dela", diz Vânia Regina da Cruz Santos, secretária de Saúde, que correu para encontrar e alugar uma casa para a futura moradora, tão logo obteve o anúncio do ministério, no início do mês, de que Posse receberia um dos cinco profissionais que pediu. "É uma casinha de dois quartos, pequena, mas aconchegante", conta a secretária, que na semana passada recebeu a visita de representantes do ministério e da Organização Panamericana de Saúde (Opas) para aprovar as instalações de trabalho e moradia.
Enquanto no país as discussões sobre o Mais Médicos se polarizam entre governo federal e conselhos regionais de medicina -- até ontem o governo não havia conseguido o registro provisório profissional para nenhum dos 682 médicos formados no exterior -, nas cidades paulistas escolhidas para receber os primeiros médicos a chegada é dada como certa e a expectativa é que eles ajudem a amenizar as dificuldades da saúde pública local. Em Posse, por exemplo, onde não há hotéis, Vânia conta que os próprios moradores se candidataram para receber a hóspede. "Mas como a médica vem para ficar três anos, preferimos garantir um lugar só dela", diz.
Pelas regras do programa federal, é papel da prefeitura arcar com moradia, alimentação e transporte. Até agora, nas contas da secretária, são R$ 650 mensais de aluguel, R$ 1.500 em enxoval e R$ 7.500 em mobília, que ela já comprou, mas aguarda a entrega. A comida, provisoriamente, virá em marmitex ("precisamos conhecer os hábitos, se ela gosta de cozinhar ou não"). O deslocamento ao trabalho será em carro da prefeitura.
Tanto esforço, espera Vânia, valerá a pena: Posse busca há tempos preencher vagas em quatro dos seis postos de saúde da cidade que, atualmente, não têm médico fixo, para atender à demanda diária. Concurso público realizado em janeiro ofereceu salário que chegava a R$ 12 mil, mas não conseguiu nenhum médico da família. O motivo, na opinião de Vânia, é o receio dos profissionais em firmar compromisso de 40 horas semanais, o que elimina possibilidades de salário maior com outros empregos.
O Valor visitou, na quarta-feira passada, Pedreira e Santo Antônio de Posse, duas das três únicas cidades do Estado de São Paulo contempladas na primeira leva de 400 médicos cubanos que vieram ao Brasil pelo programa (a outra é Embu Guaçu, na região metropolitana de São Paulo). Apesar de serem próximas a grandes centros - os dois municípios integram a região metropolitana de Campinas, que tem curso de medicina em três universidades diferentes, ambas têm déficit de profissionais na saúde básica, área que resolve 80% das necessidades da população.
Os profissionais que atuarão no interior de São Paulo ficarão até o fim da semana na capital paulista, em fase de "acolhimento" para, segundo o ministério, estudar as peculiariedades epidemiológicas, rede de atendimento e aspectos culturais do Estado. Começarão, então, a se encaminhar para os locais de atuação até o dia 22- e são livres para desistir a qualquer momento.
Enquanto esperavam por vaga nos dois postos de saúde, onde atuarão as duas médicas cubanas anunciadas pelo ministério, pacientes e moradores da região relataram dificuldades para conseguir atendimento com médico e, na maioria, afirmaram esperar que a vinda dos profissionais ajude a reduzir filas e problemas, apesar de demonstrarem algumas dúvidas e do desejo de "ver para crer".
"A gente vai entender ele? Eles falam meio enrolado. Será que eles vão abrir mais consultas?", pergunta a diarista Cinira Oliveira, 39. O contador Jonathan Rodrigues, 24 anos, também tem receio em relação ao idioma. "Vai trazer um médico que não vai entender o que as senhoras [mais velhas] falam. Eu sou jovem e não vou entender". "E a receita, que a gente não entende nem em português, vai entender em outra língua?", ri a costureira Jéssica Gaudêncio, 26 anos, ao lado da filha Brenda, 4, que brincava e corria pelos corredores do Posto de Saúde da Família do Jardim Andrade, na periferia de Pedreira, bairro que abriga cerca de seis mil pessoas que dependem de seus serviços.
A presença cubana na saúde pública de Pedreira não é inédita. Em 1995, a cidade foi uma das pioneiras do país ao receber os médicos de Cuba, que ajudaram, inclusive, a estruturar o atendimento à saúde básica do município nos moldes que ele é hoje - com acompanhamento de longo prazo das famílias, criação de vínculos com os pacientes e visitas domiciliares. Anos depois, em 1997, foi um médico cubano, que vive até hoje em Pedreira, quem liderou a implementação do programa Saúde da Família, conta o secretário de saúde, Adriano Peres Lora que, à época, era clínico-geral e participou da primeira equipe do programa.
A experiência, diz ele, inspirou Lora a fazer doutorado em saúde coletiva. "Eles [os cubanos] me passaram conhecimento, de puericultura, pré-natal, que a gente não fazia na época", diz o secretário, que se declara ansioso pela chegada da médica Tânia. "Eu tenho só o nome, é Tania Aguiar Sosa. Não me passaram mais nada, nem a idade, nem formação", conta Lora. "A ideia é colocá-la inicialmente em um hotel e temos uma casa já em vista, que demorará um pouco a vagar", planeja. O objetivo é, com o reforço estrangeiro, ampliar a rede de atenção básica de Pedreira, que tem oito médicos da família e cobre apenas 65% da demanda.
Cinira, à espera na fila do posto, lembra de ser atendida por uma das cubanas. "Gostava do atendimento, ela procurou ser bem próxima da gente, da família", diz. "Eu entendia o que ela falava, mas ela falava bem devagar", conta.
Às 6h15, sete pessoas esperavam em pé, do lado de fora do portão, a abertura do posto em Pedreira, às 7h. Pedidos simples, como entregar exames ou tirar dúvidas sobre medicamentos, são resolvidas pela própria enfermeira da unidade. Se o caso é grave, o caminho até o médico pode ter mais um desvio: o transporte, na ambulância da prefeitura, até o pronto-socorro ou a um especialista, a alguns quilômetros dali. A expectativa era garantir presença entre os 16 primeiros da fila e receber senhas para, depois de passar pela triagem da enfermagem, saber se seriam ou não atendidos pelo único médico do local. Por volta das 9h, já sentadas na sala de espera, 26 pessoas aguardavam. Naquela quarta, foram distribuídas 19 senhas.
A agente escolar Bernadete da Silva, 55 anos, em frente ao posto desde às 6h30, foi em busca de alívio para as dores que, de tempos em tempos, sente em razão do reumatismo. Moradora de Pedreira há 30 anos, ela diz que espera, em média, três a quatro horas por atendimento. "Eu fui atendida pelo médico cubano da outra vez, foi muito boa a experiência, eles são muito atenciosos", diz. "Um profissional a mais já vai ajudar bastante. Em vez de consultar 16, vai consultar 32, 40. Mas tem que ver para crer", diz Bernadete, que no dia em que a reportagem visitou Pedreira, foi atendida após três horas e meia de espera.
"Aqui o atendimento é bom, mas há dificuldades", disse, depois de receber receituário para tomar injeções na farmácia mais próxima. "Você chegou em um dia bom. Tem dia que a fila está lá outro lado", reclamou Jéssica. "Eu achei que nem ia conseguir passar hoje, porque às 5h10 tem que estar na fila e, quando venho com ela (a filha Brenda), não dá por causa da friagem", diz a costureira.
Jéssica, Cinira e Bernadete frequentam o posto do Jardim Andrade onde, segundo plano da Secretaria de Saúde, a médica cubana trabalhará oito horas por dia e dividirá com o atual clínico-geral toda a demanda da saúde básica que, atualmente, é maior que a capacidade de atendimento. Para os pacientes, a principal carência da saúde não é de equipamentos, nem de estrutura física- o posto é limpo e conservado. "Não adianta construir postinho, tem que ter mais médicos", diz Bernadete.
Assim como em Pedreira, os pacientes na vizinha Posse anseiam pela chegada de mais um médico, que fique o dia todo no local: enquanto doutora Silvia não vem, um cirurgião faz as vezes de clínico-geral durante a tarde - somente com hora marcada - no Posto de Saúde da Família Benedicto Alves Barbosa, conhecido como posto do bairro Popular. Por volta das 11h, quando a reportagem chegou ao local, não havia filas.
"Acolhemos todos os pacientes no posto e encaminhamos, o que sobrecarrega o pronto-socorro. Temos remédio aqui, temos farmacêutico. Se tivesse médico, poderíamos resolver ", diz Patrícia de Miranda Sanches Bergo, 34 anos, gerente do posto.
A maior parte dos entrevistados teceu elogios à equipe do posto: reivindicam, no entanto, a presença de um médico fixo na unidade. "Eu espero que a chegada da nova médica melhore, porque a gente não consegue marcar consultas. Já vim aqui e só consegui para dali a dois meses. Não me preocupo se [o médico] é de outro país; o que importa é ser bom", diz a empregada doméstica Conceição Gonçalves, 44 anos, que esperava pela consulta.
A auxiliar de produção Romilda Schapieski, 59 anos, diz que uma vez já chegou passando mal e foi encaminhada ao pronto-socorro, de ambulância, por falta de médico. "Podia ter tomado um remédio aqui", reclamou. Ao saber da chegada dos médicos estrangeiros, Romilda teve dúvidas. "Mas e no Brasil? Não tem?"
Informada pela reportagem de que a alegação da prefeitura e do governo é de que é difícil contratar para a cidade, se mostrou otimista. "Eles querem vir? Ah, se eles querem vai dar certo, porque eles vêm com amor, querendo. Quem vem na marra, não dá certo".