Responsabilidade civil na Lei Anticorrupção
Por Alex Vasconcellos Prisco
11/09/2013

A chamada de Lei Anticorrupção, a Lei nº 12.846, de 2013, dispõe, dentre outras coisas, sobre a responsabilização civil das empresas pela prática de atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira. A intenção imediata é sancionar as condutas improbas e fraudulentas que lamentavelmente vicejam no relacionamento público-privado.

A legislação adotou o mecanismo da responsabilidade objetiva. Assim, para que a pessoa jurídica seja civilmente responsabilizada, não é necessário que tenha agido com culpa ou dolo. Basta apenas que fique evidenciado que seus administradores ou dirigentes praticaram, no interesse ou benefício da empresa, as condutas ilícitas elencadas na lei e que daí decorram danos ao Erário.

Não há necessidade, portanto, de valoração do comportamento da pessoa jurídica quanto às cautelas e providências que tomou ou deveria ter tomado para prevenir a falta de seus gestores: constatada a ilicitude da conduta do agente da empresa e verificada a ocorrência de prejuízos ao poder público, a responsabilidade civil da pessoa jurídica surge de maneira automática e inafastável, impondo-lhe a obrigação de indenizar integralmente as respectivas perdas.

É possível que os tribunais tendam a suavizar o alto rigor da responsabilidade objetiva estipulado pela nova lei

Já a materialização das infrações tipificadas na Lei Anticorrupção, tais como fraude a contratos, conluio para frustrar a competitividade de procedimentos licitatórios, pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos, entre outras, exige a presença de algum elemento subjetivo do agente tendente a lesar a administração pública. Sem esse dolo, que tanto pode ser direto como eventual, a própria existência do ato lesivo fica prejudicada. Daí porque a Lei Anticorrupção estatui, corretamente, que os dirigentes ou administradores da pessoa jurídica somente serão responsabilizados pelos atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.

Ocorre que a mesma Lei nº 12.846, de 2013, na ânsia de evitar qualquer contágio subjetivista na responsabilidade civil da empresa, impõe que essa seja responsabilizada de forma independente da responsabilização individual dos administradores ou dirigentes. A dispensa da exigência de imputação desses sujeitos, contudo, cria uma situação jurídica curiosa, pois ainda que venha a ser demonstrada a ausência de culpabilidade na conduta dos gestores da empresa - afastando-se, por consequência, a configuração da necessária infração legal - mesmo assim a pessoa jurídica será responsabilizada civilmente, se porventura daí decorrerem prejuízos à administração pública. Ou seja, a empresa terá a obrigação de indenizar independentemente da consumação do fato danoso descrito em lei.

Entretanto, é possível que os tribunais, adotando uma visão mais pragmática e realista dessa delicada conjuntura, tendam a suavizar o alto rigor da responsabilidade objetiva da Lei Anticorrupção. Nesse sentido, as Cortes poderiam isentar a responsabilidade civil das empresas nos casos em que não fique comprovada a culpa ou dolo de seus administradores ou dirigentes, uma vez que essa circunstância poria em xeque a existência da infração em si. Se for dessa forma, a propalada responsabilidade objetiva, idealizada pela lei para tentar imprimir maior eficácia e agilidade à punição da pessoa jurídica, na prática acabará se transformando em responsabilidade subjetiva, já que em última análise a responsabilização civil da empresa demandaria necessariamente a demonstração de conduta dolosa ou culposa dos seus dirigentes contra a administração pública.

Outro aspecto digno de nota reside na lógica indenitária abraçada pela Lei nº 12.846. Além de ordenar a reparação integral dos prejuízos sofridos por entidades e órgão públicos, a legislação prevê a decretação judicial de "perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração". Com isso, a norma transcende a simples tutela ressarcitória, que limita o valor da indenização à extensão das perdas causadas ao lesado, para também trabalhar com o método restituitório, o qual obriga que os lucros ilicitamente obtidos pelo infrator sejam transferidos ao patrimônio da vítima (disgorgement). Essa medida pode ser especialmente útil, por exemplo, nas infrações cometidas por empresas no exterior, possibilitando à administração pública nacional - aqui lesada indiretamente - sancionar os infratores sediados no país com o resgate compulsório das vantagens financeiras ilícitas auferidas lá fora.

Embora essa modalidade de reparação civil tenha aptidão para colocar o ofendido em um estado econômico melhor do que aquele em que se encontrava antes da conduta lesiva, não se vislumbra aí qualquer antijuridicidade. Afinal, o escopo prioritário da Lei Anticorrupção não é a mera recomposição do patrimônio público desfalcado, e sim a punição civil exemplar dos infratores, tendo por finalidade última inibir a prática de comportamentos dilapidadores do bem comum e promover a moralização no trato da coisa pública.

Torçamos, então, para que os objetivos civilizatórios da nova legislação sejam efetivamente alcançados.

Alex Vasconcellos Prisco é mestre em direito econômico e desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes (UCAM) e sócio do escritório Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações



 





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