A Qualicorp, maior administradora de planos de saúde por adesão do país, perdeu quase R$ 1,4 bilhão em valor de mercado no pregão de ontem. As ações caíram 29,37% após a companhia informar que assinou um contrato no valor de R$ 150 milhões com seu fundador e presidente, José Seripieri Filho, conhecido como Júnior, para que ele não venda toda sua participação, nem crie negócios concorrentes por um período de seis anos, renovável por mais dois anos.
Segundo o Valor apurou, Júnior vinha sinalizando há meses sua intenção de deixar a Qualicorp e já tinha em mente novos projetos na área da saúde, que agora serão incorporados à companhia. Até então, não havia qualquer acordo de não competição assinado. A Qualicorp administra uma carteira com 2,6 milhões de usuários de planos de saúde, sendo que mais de 90% da receita vem dos convênios médicos contratados por meio de sindicatos e entidades de classe.
Surpreendidos com o acordo, investidores começam a se preparar para a briga e pretendem levar a discussão à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Justiça. Ontem, passaram o dia em contato sobre o que e como fazer. A autarquia abriu ontem mesmo um procedimento para escrutinar o compromisso.
Os maiores acionistas, depois de Júnior, são as gestoras Wellington e XP, cada qual com pouco mais de 5% de participação. Ontem, a XP afirmou em carta aos cotistas que vai buscar os "devidos reparos, inclusive na Justiça". Classificou a decisão do acordo como "completamente descabida." A gestora ressalta que não houve consulta aos minoritários sobre a decisão.
Pelo contrato, o fundador, que detém 15% da companhia, pode vender 10% a partir do início do quinto ano. O acordo só o obriga a manter 13,6 milhões de ações - o equivalente a cerca de 5% do capital da empresa. Ao longo dos últimos dois anos, ele já reduziu sua fatia, que era de 20%.
Não é a primeira vez que há negociações em torno da Qualicorp. Em 2016, os fundos Carlyle, GIC (fundo soberano de Cingapura) e a CVC Capital Partners mantiveram conversas com Júnior. A ideia era fazer uma oferta pública por 100% da Qualicorp, segundo fontes. Na época, Júnior teria pedido um prêmio alto e as conversas não avançaram.
Ainda segundo fontes, há algum tempo Junior vem questionando a sustentabilidade do mercado de planos de saúde, cujos reajustes são extremamente elevados. Neste ano, por exemplo, os planos coletivos por adesão tiveram um aumento médio de 18% e os convênios médicos empresariais subiram na casa dos 20% - percentuais muito acima da inflação geral.
O empresário vem procurando projetos alternativos. Um deles é uma parceria com a seguradora Mapfre para criar um plano de saúde com uma rede fechada de prestadores de serviços, de forma a controlar melhor os custos. O contrato com a Mapfre foi assinado na semana passada, segundo fontes.
"Todo mundo sabe como está esse mercado. É um mercado em transformação. O Júnior é um executivo único. A empresa precisa manter o foco em um momento de transformação", disse Grace Tourinho, diretora financeira e de relações com investidores da Qualicorp, em teleconferência para analistas e investidores, ao ser questionada se o acordo foi motivado por alguma oferta de aquisição ou sinalização de que o fundador deixaria a companhia.
A executiva afirmou ainda que o valor a ser pago foi definido por consultorias e citou a Mercer e a McKinsey. "Não participei dos estudos, mas são valores que representam um nono da remuneração de um CEO 'top' de mercado."
Segundo a Qualicorp, Júnior não pode rescindir o contrato antes de seis anos, a não ser em caso de tomada hostil de controle ou destituição da maioria do conselho antes do fim do mandato - e nessa situação, teria que reembolsar a indenização na proporção do prazo ainda não cumprido.
No mercado o que se comenta é que o risco de Júnior abrir outro negócio prejudicava o interesse de grupos do setor em comprar ou se fundir à companhia. (Colaborou João José Oliveira)