Tratar doenças degenerativas, decorrentes do envelhecimento, e alguns tipos de câncer são alvos da startup de biotecnologia Celularity, que realiza pesquisas em células-tronco retiradas de placentas humanas. Sediada em Nova Jersey, nos Estados Unidos, a empresa, criada no ano passado, já é referência internacional em tecnologia e desenvolvimento na área da longevidade.
Cofundador e CEO da Celularity, o cientista biomédico Robert Hariri assegura que, com os avanços da biotecnologia, o ser humano poderá chegar aos 100 anos, com saúde, vitalidade, aparência física e funções cognitivas de um indivíduo de 60. É o que ele chama de "100 em novos 60".
"Não é só o aumento de tempo de vida, mas também a restauração da capacidade de desempenho. Com o processo de envelhecimento, o sistema imunológico e as funções cognitivas começam a declinar", diz ele, buscando, na pesquisa, combater esses males, e agregar outros benefícios, como redução de rugas e fim da calvície.
Hariri esteve no Rio de Janeiro, na semana passada, participando do projeto Abundance 360, que reuniu empresários e empreendedores interessados nos rumos da tecnologia. Segundo ele, o grande desafio da Celularity é transformar células em tratamento de doenças. "A placenta é um órgão fantástico, contém células vivas que podem virar remédios", afirma ele, para quem "a célula é o nosso 'software' biológico, capaz de restaurar funcionalidades do corpo".
O CEO da Celularity lembrou que a gravidez da mãe de sua filha mais velha, hoje com 27 anos, serviu de estímulo a suas pesquisas. Nos exames de ultrassom, ele observava a imagem do feto protegido pela placenta. "É um órgão poderoso. O câncer materno, por exemplo, não passa para o bebê, porque a placenta contém células imunológicas que destroem as células cancerígenas", explica.
Também a startup Samumed, de San Diego (EUA), atua no combate a doenças relacionadas ao envelhecimento, com base em pesquisas de células-tronco. A empresa tem experimentos avançados para reativar cabelos, suavizar rugas com produção de colágeno, e deter a osteoartrite. O pipeline de pesquisas da startup tem atualmente oito medicamentos.
Cevdet Samikoglu, diretor financeiro da Samumed, espera obter até 2020 aprovação do Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora do governo americano, para o tratamento de ostoartrite em joelho. "Cerca de 40 milhões pessoas nos EUA sofrem com ostoartrite", diz ele. "Com a biotecnologia será possível viver mais tempo e melhor", diz Samikoglu, atento também a pesquisas de síndrome de Alzheimer e fibrose pulmonar. A Samumed está avaliada em US$ 13 bilhões. O ponto de partida foram US$ 300 milhões captados ao longo dos anos.
"É muito importante levantar capital para investimentos. Aumentar em 20 anos a expectativa de vida, com qualidade, terá forte impacto na valorização da Celularity", acredita Robert Hariri, buscando capital de risco de investidores também da América do Sul, para se somar aos US$ 290 milhões captados até agora pela startup. A Celularity quer abrir caminhos para novas pesquisas em doenças cardiovasculares. Hariri sabe que as inovações chegam primeiro às camadas de renda mais alta da sociedade, mas, com a disseminação, os custos caem. "Nosso trabalho é democratizar o acesso a investimentos", diz Rodrigo Monteiro, sócio da OurCrowd, plataforma de crowdfunding (financiamento coletivo) de capital de risco para investidores em startups.
"De que vale a tecnologia se não para melhorar nossas vidas?", indaga Peter Diamandis, mentor do projeto Abundance 360, cofundador da Celularity. "Quem tem saúde, tem muitos sonhos. Quem não tem saúde, só tem um sonho", diz ele.
A professora Terezinha Martinez, especialista em gerontologia pela Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati/Uerj), alerta que os avanços tecnológicos em busca da longevidade têm que ser acompanhados por políticas públicas de inserção do idoso na sociedade. Para ela, a falta de convivência social acelera a curva de envelhecimento. Diamondis diz que "seremos um híbrido tecnológico e biológico", o que não impede, segundo ele, renovar também o "software humano", com alegria de viver, cultivo de interesses e conexões humanas.
"Quais os impactos da longevidade sobre a sociedade?", indagam participantes do evento. "Um deles, o desemprego, problema grave no Brasil e no mundo", aponta Flávio Diniz, da Agropecuária Vanguarda, preocupado com a questão de onde virá o dinheiro para viver cem anos. Hariri, da Celularity, não tem resposta. Mas sugere que o novo homem de 100 anos, "ao invés de se recolher a um lar de idosos, terá disposição para fazer o que quiser, trabalhar, criar, contribuir para o PIB de sua região". "A disseminação de tecnologia é rápida e amplia o 'gap' entre países como o Brasil. Seremos cada vez mais consumidores de tecnologias desenvolvidas lá fora", prevê Guilherme Gregori, da Paes & Gregori, do ramo imobiliário, questionando se os avanços vão melhorar a qualidade de vida também dos brasileiros.
Quanto à distância tecnológica, Benjamin Quadros, da Digital Solutions, observa "a enorme facilidade de empresas no exterior tomarem risco e acessarem capital para investimentos em pesquisas".