O sistema de saúde brasileiro está subfinanciado, mal avaliado, os indicadores epidemiológicos só pioram, mas existem saídas. Sobretudo se o país fizer reformas urgentes e necessárias. Essa foi a principal mensagem do caderno E agora, Brasil?- saúde, o quarto da série especial que a Folha publica ao longo de 2018. Em ano de eleições, o objetivo é apresentar diagnósticos e discutir propostas.
Um dos vários debates interessantes tratou do crônico subfinanciamento do SUS, do impacto dos ajustes fiscais e de onde poderiam vir recursos para melhorar as atuais cifras. A revisão das renúncias fiscais é uma das possibilidades, segundo especialistas.
Hoje essas isenções somam cerca de R$ 283 bilhões, de acordo com o Tribunal de Contas da União. Representam o dobro do orçamento do Ministério da Saúde em 2017, que foi de R$ 124 bilhões. Não são raras as vezes em que essas isenções acabam, inclusive, gerando ainda mais gastos ao sistema de saúde. É o caso daquelas dadas à produção de motocicletas na Zona Franca de Manaus e à indústria de bebidas açucaradas.
As motos estão envolvidas em um terço dos acidentes fatais no país. É o veículo que mais mata no trânsito brasileiro, segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária. Bebidas açucaradas, como os refrigerantes, são um outro exemplo. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), elas estão entre as principais causas da obesidade, do diabetes e das cáries em todo o mundo. Com 82 milhões de obesos, o Brasil já é o terceiro país no mundo com maior número de homens obesos, e o quinto entre as mulheres obesas.
Esse setor, aliás, está em polvorosa porque teve benefícios fiscais reduzidos pelo governo federal. O corte não ocorreu pelo mal que esses produtos fazem à saúde, mas para compensar a redução do preço do diesel ocorrida após a greve dos caminhoneiros em maio. No entanto, há um forte lobby em curso para reverter a decisão.
O gasto tributário associado aos planos de saúde, estimado em R$ 12,5 bilhões em 2015, também é outra questão polêmica. Não seria justo esse dinheiro ser transferido para a atenção primária, para expansão das equipes de saúde da família, por exemplo, e para a melhoria das redes de média e alta complexidade? Só lembrando que esses subsídios favorecem hoje a camada da população com mais renda.
Outra coisa esdrúxula são as emendas parlamentares, que dão a deputados e senadores acesso a verbas públicas que são distribuídas em bases eleitorais. A intenção até pode ser boa, mas, no fim, elas desorganizam o sistema de saúde. Não raras as vezes, essas verbas vão para obras e compras não prioritárias.
Muitas vezes, esse dinheiro só obedece ao critério político do parlamentar, para agradar seu reduto —não há uma decisão técnica embasando a medida. Neste ano, os parlamentares terão uma verba total de R$ 8,8 bilhões em emendas individuais, aquelas que pela Constituição o governo é obrigado a executar.
Há muitas outras frentes a serem atacadas, entre elas a falta de transparência para a sociedade do que acontece no SUS. Por exemplo, existe uma lei complementar (141/2012) que obriga que o gestor do SUS apresente a cada quadrimestre, em audiências públicas, relatório que permite que a sociedade monitore as ações de saúde. Isso está acontecendo? Não.
No âmbito federal, desde que a lei entrou em vigor, ocorreram apenas quatro reuniões no Congresso Nacional. Neste ano, o relatório deveria ter sido apresentado em maio e isso ainda não aconteceu. Falta transparência também no dia a dia do SUS, o que gera incerteza e insegurança. Por exemplo, ficar sem saber o tempo de espera por um especialista ou por uma cirurgia é um fator de estresse e de descontentamento do usuário.
Outra questão que poderia atenuar o gargalo que se tem na média e alta complexidade são as regiões de saúde. Existem hoje 438 no país, mas falta governança interfederativa regional. É muito complicado implementar ações quando elas dependem da articulação de entes que são autônomos. Como explica a advogada Lenir Santos, especialista em direito sanitário, isso vai requerer normas legislativas, como ocorre com as regiões metropolitanas que têm lei nacional regulando.
Enfim, soluções existem e todos sabem o que deve ser feito. Faltam lideranças com coragem para mexer em estruturas sedimentadas e que envolvem inúmeros e diversos lobbies, interesses políticos, de mercado e corporativos.
Falta também a participação ativa da sociedade na busca por um sistema de saúde melhor e mais eficiente. Mas para que isso um dia aconteça, o brasileiro terá que aprender a reconhecer o SUS como uma conquista de todos. Com suas virtudes e defeitos. Enquanto enxergá-lo como um sistema só para os pobres, ele continuará sendo, de fato, um sistema pobre.