Trabalhar 14 horas por dia é prejudicial à sua saúde, família, relações, personalidade e seu humor. É também ineficaz. Todos sabemos disso, mas o triste caso de Moritz Erhardt serviu para nos lembrar mais uma vez.
Mesmo que ficar provado que a morte do estagiário do Bank of America nada teve a ver com o excesso de trabalho, a história ainda me faz ficar surpresa com um dos maiores mistérios da vida nos escritórios. Por que um jeito de trabalhar que é ao mesmo tempo desagradável e improdutivo se mostra comum no mais procurado e bem sucedido segmento da economia?
Por que jovens banqueiros de investimentos se submetem a isso? Eles sabem que vão trabalhar demais, mas parecem não se importar. Este ano, o Goldman Sachs recebeu 17 mil inscrições por 350 oportunidades para passar o verão [no Hemisfério Norte] trabalhando muito além do saudável ou desejável.
Tenho jogado um jogo de que gostava quando era criança, em que considerava situações hipotéticas terríveis como: sob que condições eu comeria uma tigela de vômito?
Desta vez, considerei algo ainda menos prazeroso: o que me faria trabalhar regularmente 14 horas por dia?
Cheguei a três possibilidades. Primeira, se eu recebesse por hora e minha família estivesse morrendo de fome. Segunda, se eu estivesse em um negócio próprio e fosse obcecada por ele. E terceira, se o trabalho fosse uma questão de vida ou morte. Se eu tivesse sido uma enfermeira atrás de linha de frente de batalha na Primeira Guerra Mundial, não deixaria o trabalho às 17h30.
Nenhuma destas situações se aplica aos jovens banqueiros de investimentos. Eles não estão sob pressão financeira. Qualquer um que tenha sido contratado pelo Bank of America certamente teria conseguido um emprego mais civilizado em outro lugar. O trabalho de um banqueiro na área de fusões e aquisições (para onde Erhardt estava designado) não chega a ser o tipo de coisa que espalha felicidade: todos os estudos mostram que mais da metade dos negócios que os banqueiros recomendam aos clientes destrói valor, em vez de criar.
Então, por que eles toleram tantas horas de trabalho? Questionei dois banqueiros de investimentos novatos. Um deles estava tão triunfante por ter conseguido o emprego que todos os seus amigos queriam, que parecia receber a carga de trabalho como mais uma confirmação de seu próprio valor para a organização e para o mundo.
O outro deu de ombros: todo mundo trabalha até tarde. Isso chega ao cerne da questão. Os banqueiros de investimentos se cercam de outros banqueiros de investimentos e assim a ideia que eles têm do que é normal fica distorcida de uma maneira grotesca. Assim como um anoréxico pode pensar que é normal comer uma folha de alface no almoço, os jovens banqueiros acham que é normal passar 14 horas em suas mesas. Esse jovem nem chegou a achar estranho o fato de um colega restringir a quantidade de água que bebe durante o dia, pois isso reduz o tempo que ele passa afastado de sua mesa. Ele estava, na verdade, considerando fazer o mesmo.
O segundo mistério é por que os bancos impõem uma rotina de trabalho aos funcionários que os deixa exaustos e não lhes proporciona bem algum. Suspeito que seja pelo mesmo motivo que levou o velho sistema de "fagging" a durar tanto tempo nas escolas públicas britânicas. Isso significa que quando você é obrigado a servir um aluno da classe superior, mal pode esperar para fazer o mesmo com outros alunos novatos.
Os banqueiros mais graduados alegam que a carga horária puxada é resultado das demandas intermináveis dos clientes. Um sócio se sente obrigado a prometer a um cliente que pode produzir um relatório num piscar de olhos, o que significa que um subordinado terá de ficar a noite inteira acordado escrevendo esse relatório. Quando ele o envia para seu chefe, invariavelmente recebe o material de volta com milhares de correções a serem feitas - o que significa mais uma noite em claro.
A maior estupidez neste sistema maluco é como ele atende mal os interesses dos clientes. Sempre que participo de apresentações feitas por banqueiros de investimentos, o que costuma me impressionar mais é a escala do desperdício. Cópias de slides são entregues em um papel tão grosso que poderia ser usado para fazer convites de casamento. Há muita ostentação de fatos e diagramas; as apresentações são longas demais e feitas por muitas pessoas. A principal mensagem é: estamos fazendo um esforço enorme para justificar o absurdo que cobramos de vocês.
Seja qual for a causa da morte de Erhardt, ela provavelmente não vai mudar a maneira como os jovens banqueiros de investimentos trabalham. Os estagiários não vão entrar em greve e os banqueiros mais velhos não vão parar de tiranizar os mais jovens.
A melhor esperança de mudança seria os clientes pegarem esses relatórios luxuosos e exagerados, escritos por estagiários que dormem pouco, jogá-los no lixo e dizer - como a cantora Shania Twain -, "That Don't Impress Me Much" (Isso não me impressiona muito).
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
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